Ou é porque temos
muito trabalho. Ou porque passamos demasiado tempo no trânsito. Ou porque
estamos gordas. Ou porque chegamos a casa e ainda temos que ir fazer máquinas
de roupa. Ou porque chove. Ou porque está calor. Ou porque…enfim, qualquer
coisa serve. Porque há sempre alguma coisa.
E isto é estúpido.
É muito estúpido. É mais que isto. É ridículo e injusto.
Porque hoje em
dia é uma sorte: ter trabalho, ter um carro e dinheiro para a gasolina, ter
comida, ter uma casa, sentir a chuva e o sol na pele.
Porque hoje em
dia, há quem não tenha nada. Nada de nada. Porque hoje em dia, há quem nem um
amigo tenha para poder pedir ajuda. Para chorar. Porque hoje em dia, há quem durma na rua, ao frio. Enrolado em caixas de papelão que desmancham e com que se tapam para cortar o frio. Sempre houve, é certo, mas agora há mais. Tantos mais…
É preciso parar para pensar. Contra mim falo, que tantas vezes me incluo naquele grupo de pessoas que, quando se dá conta, está a refilar com tudo. Cada vez menos. Felizmente, cada vez menos.
Porque a vida, com
tudo o que ela me trouxe de pior, também me trouxe o melhor. Ensinou-me, pelo menos,
a parar, escutar e olhar. Olhar para a sorte que tenho em ter uma vida equilibrada,
com amigos, conforto, trabalho. Uma cama onde posso descansar. Onde posso
dormir, acordar e saber que tenho café fresco, bolo de laranja, bolachas e
manteiga para o pequeno-almoço.
E que a seguir
tenho uma casa de banho onde posso tomar um bom banho quente, pôr a minha máscara
no cabelo, os meus cremes no corpo. Uma prateleira cheia de tudo.
E que vai haver o
que comer ao almoço e ao jantar. Naquele dia e nos dias seguintes. Uns dias com
mais dinheiro, outros com menos, mas sempre com o que sirva as minhas
necessidades. Mesmo que sem luxos.
Quantas pessoas
têm esta sorte? E quantas pessoas também a tinham e deixaram de ter? De um
momento para o outro acaba o dinheiro, vai-se a comida, depois o carro, depois
a casa. E, porque como diz o velho ditado “casa onde não há pão, todos ralham e
ninguém tem razão”, no fim desmembra-se uma família. Ou por isso ou porque é
preciso partir para outro país à procura de dinheiro para a comida, o carro, a
casa. Para viver. Para sobreviver. Sim, porque viver já começa a ser um luxo.
Depois deparo-me
com a história de uma miúda que parece ter tudo o que falta a tantos, mas que se
despe desse tudo, arranca para um país longínquo e decide viver meses quase na
miséria. Mas feliz porque ensina crianças que vivem nessa miséria. E porque
consegue tornar a vida desses miúdos menos miserável. É assim que essa jovem dedica
tempo da sua vida: na maior favela do mundo, num qualquer país africano, a
ajudar os outros. Depois volta para cá. Mas volta para ajudar os que cá
também precisam de ajuda. Contudo, sempre com a promessa de voltar para lá,
para garantir que aquela dúzia e meia de crianças pode ter mais um
ano de novas palavras, conhecimento, uma oportunidade.
O mundo está
virado de pernas para o ar. Não é a primeira vez que o digo aqui. Nem será,
certamente, a última. Mas está mesmo.
A riqueza está
toda concentrada. E cada vez mais. E a pobreza aumenta a cada dia que passa.
Por cá e por lá. Por todo o lado. Mais do que nunca, à vista de todos.Por isso, temos que fazer um exercício muito importante: paremos para pensar, caramba. Não só em nós, que no meio desta porcaria toda ainda nos vamos safando, mas naqueles que já não se safam sozinhos.
Às vezes basta um
sorriso. Uma graçola. Um abraço. Uma palavra que traga esperança. Às vezes basta
olharmos menos para o nosso umbigo e darmos um bocadinho de nós. Sem esperar retorno. Só dar. Não custa nada. E
faz-nos tão bem…
Hoje somos nós a ajudar. Mas como as coisas estão, um dia pode
ser a nossa vez de precisar de ajuda. E vai saber-nos bem ter lá alguém para
nos dar a mão.
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