Pelo sim pelo não, pintei as unhas dos pés. Depilei-me (a palavra é feia mas
não há outra). As pernas estavam cor de leite. O tronco, cor de café. Tentei não
pensar muito nisso.
Praia do Alvor. Estava cheia. E era enorme. O local era novo para mim, mas isso,
de alguma forma, tranquilizava-me.
À esquerda chapéus de palha, à direita chapéus de palha. Em frente, uma
tenda grande. Alguém nos informou de que era ali que nos devíamos dirigir. Foi
o que fizemos. Eu, a mana, a mãe e a Carlota.
Vejo o monitor, rio-me para ele, ainda meio envergonhada. Nilson. Um
italiano que foi viver para o Brasil com 3 anos e que já tinha andado a trabalhar pela Europa e por África.
Bem-disposto, pergunta-me o nome, respondo “Marta”. Depois, se quero ir ao
banho. Foi quando tremi por dentro, o estômago encolheu. Não o fazia há mais de
20 anos. Por um lado, porque as praias que sempre frequentei não tinham tiralô
e, muitas vezes, mar suficientemente calmo. Mas, essencialmente, porque com o
tempo me tinha desabituado de estar “despida”. Sentia-me demasiado exposta.
Pensei “cum caraças, se não for agora, não é nunca. Não conheces ninguém,
todos aqui estão/são como tu, és apenas mais uma.” Respirei fundo e disse
“mana, passa-me os calções de banho…”. Ela nem queria acreditar. Eu sei que estava
igualmente nervosa só que não queria demonstrar. Mas feliz por mim. Ela e a
mãe, que estava ainda meio incrédula.
A Carlota correu a besuntar-me com protector total. À
pressa, porque queria ver-me no mar. "Quero ir lá para dentro contigo."
1, 2, 3, e, quando dei por mim, já estava sentada no tiralô. Um carrinho
anfíbio, amarelo e azul - que de discreto nada tem. E lá fui eu, pelo trilho
que me levava até ao mar. Alguns olhares curiosos, deitados nas toalhas. Aliás, muitos. Fingi não
reparar. Concentrei-me apenas no mar, que estava cada vez mais perto. Uma
piscina. Um postal perfeito. Parámos muito perto. O monitor olha para
mim e faz-me sinal com a cabeça, como quem me pergunta “estás preparada?”.
Também acenei com um “sim, estou, vamos a isto.”
Fomos entrando no mar. Já a flutuar no tiralô, pergunta-me se sei nadar. Respondo que
sim, e que queria experimentar ali, no mar. Riu-se, afundou o carrinho e fez-me
sinal para ir. E eu saí mesmo. Fui. Mesmo.
No areal, senti uma multidão a seguir-me com os olhos. Como a Carlota dizia
“parece um programa da TVI, pá!” Virei-me de costas, olhei para o mar e pensei:
já está. 20 anos depois, estava no mar outra vez. Com as ondas a enrolarem-se
no meu corpo. Com o sal a ficar-me na pele. Com o sabor da água salgada nos
lábios. A entranhar-se como quando tinha 17 ou 18 anos. Com a mesma
intensidade. Se calhar com mais ainda, porque o meu corpo pedia-me aquilo há
algum tempo.
Quando “desço à terra” percebo que as minhas miúdas estavam a aproveitar
cada minuto. A Carlota sempre em cima de mim a dar-me beijos e abraços. A mana
a tirar fotos. Depois guardou a máquina e enfiou-se comigo dentro de água. A mãe começou por ficar à beira da água, a
tentar disfarçar o salgado das lágrimas com o salgado do mar. Depois juntou-se a nós.
Nadei, nadei, nadei. Tanto…No primeiro dia com os olhos dos monitores
(no banho seguinte conheci também o Cristiano, um miúdo novo, giro, bonacheirão, com sentido de
humor apurado) sempre em cima de mim. No segundo dia já me deixavam sozinha na
água, sem tiralô, apenas com a minha família. Tinham percebido que eu me
aguentava bem sozinha e que gostava de estar independente. Mas, mesmo dando-me a
independência, nunca deixaram de ter um olho em cima de mim.
Gostava de o conseguir fazer mas a sensação de voltar a nadar não se
descreve. Porque tudo o que possa dizer para caracterizar este momento seria reduzi-lo
apenas a isso mesmo, um momento. E este regresso foi muito mais do que isso.
Desde miúda que praia, nadar, mergulhar, sempre foi um prazer. Sinónimo de liberdade.
Com o tempo, e devido a algumas circunstâncias da vida, deixei de o fazer. Esta
semana, mais de 20 anos depois, retomei. E prometo que não vou voltar a deixar
escapar momentos destes.
As últimas palavras são de agradecimento profundo e vão directamente para o Nilson e para o
Cristiano. Dois miúdos fantásticos que me fizeram esquecer a pele branca, a timidez,
e que me ajudaram a voltar a sentir a sensação de liberdade que só o mar
proporciona. Obrigada aos dois, ganharam um espaço no meu coração.