27 de maio de 2013

"Os golpes da adversidade são terrivelmente amargos, mas nunca estéreis."

Há notícias que nos abanam por dentro. Em que sentimos uma mão a sufocar-nos as entranhas. E que nos levam a pensar: mas porque raio tem que ser sempre assim?

Custam a aceitar. O coração estremece. O lado emocional do cérebro começa a fazer contas aos dias e ao que aí vem. Por vezes atrapalha-se todo, tropeça, cai. E chega a precisar da ajuda de alguém para se levantar de novo.
Mas, geridos e digeridos os primeiros momentos, o impacto inicial, o corpo reergue-se. Larga o word - simples e onde nos perdemos em emoções - e mune-se do excel da vida. Frio, distante, que calcula, que analisa. Que agrupa todas as células e faz o somatório. E que traz resultados claros.

É nesta altura que o lado matemático do cérebro começa a ganhar espaço e obriga o corpo a manter-se à tona. Comigo tem sido assim.
Na minha vida, em que o lado emocional foi sempre tão activo – pela paixão, pelo imediato, pelo “à flor da pele” – foram muitas as vezes em que foi preciso parar e deixar o lado oposto pegar nas rédeas. Tomar o controlo da situação. Tanto na vida pessoal como profissional.

Nem sempre foi fácil. Houve grandes batalhas entre os dois. Umas vezes ganhou um, outras o outro. Mas o “2+1 = 2” sempre foi mais forte que o “2+1 = ao que eu quiser”. E, até ver, ainda bem.
Tudo começou pela saúde, área em que a vida me reservou algumas surpresas.

Desde logo com o “presente” de uma paraplegia aos 15 anos. O auge da mudança da vida de uma miúda. A passagem do estado criança para o estado adolescente.
Nesta altura, o meu lado “lógico” estava de olhos bem abertos. Um dia acordo (de coma) e percebo que metade de mim tinha adormecido. Mas rapidamente constato que se tratava da parte menos importante. Afinal, o coração, a cabeça, o que me ligava ao mundo mantinha-se intacto. Acordado. Em oposição ao que da cintura vai até lá abaixo, que entra num sono profundo. Sem hipótese de beijo para acordar. Não, aquilo não era, de todo, um conto de fadas.

Anos mais tarde, uma septicémia grave causada por uma escara infectada. Nos primeiros tempos, o lado esquerdo domina o palco. Mas, desta vez, o lado direito não lhe deu tréguas e ganhou na contracena. Acho que, no fundo, o venceu pelo cansaço. O meu lado “tubarão”, que resistia a tudo, estava estoirado.
Senti-me uma formiguinha. Pequenina e, pela primeira vez, a deixar-me levar pelo mar de emoções. E houve uma altura em que pedi isso mesmo. Que me levasse.
Mas era cedo. Era cedo e, por isso, o lado matemático deu um murro na mesa, começou a fazer contas. A somar força com força. A multiplica-la. Depois dividiu-a de forma equilibrada por todas as partes do meu corpo debilitadas pela infecção. E o resultado foi que ganhou a guerra. Contra todas as previsões, livrei-me da septicémia.

Depois parti a perna e, entre com gesso e sem gesso, deparei-me com quase 7 meses com ela esticada. Mais uma vez lado prático a funcionar: a primeira coisa que fiz foi replanear as férias para as poder aproveitar mesmo assim. E medir o elevador da empresa, para perceber se cabia lá dentro para poder voltar ao trabalho. Correu tudo bem. Mais uma vez, o “tubarão” esteve bem acordado e comandou a situação.

Pelo meio disto tudo tornei-me uma pessoa mais dura, menos paciente. Mas tentei nunca perder de vista o carinho, a tolerância, o toque. Não para todos – às vezes até infelizmente menos do que eu gostava - mas, tento, para quem merece ou precisa mesmo.
Por fim, a saúde deu-me, finalmente, tréguas. Mas o que aconteceu marcou-me para sempre. E, sim, formou-me. Ensinou-me a distinguir o essencial do acessório. O que interessa do que não interessa. Pelo que devemos lutar, pelo que não merece sequer o esforço. “Pelo que” e “por quem”.

Por isso, quando hoje me acontece alguma coisa menos boa, seja de saúde ou mesmo ao nível profissional, há um exercício que me obrigo a fazer: não me agarrar à reacção a quente e parar para pensar. Gerir o primeiro impacto.
Em primeiro lugar, tento “sair da situação” para depois, à distância, olhar para ela de uma forma fria, racional. Segundo passo: analisada a situação, traço o caminho para chegar onde eu quero. Onde é necessário chegar para sobreviver. Quando o percurso se prevê longo, dou um passo de cada vez. Vivo um dia de cada vez. Sempre focada no que defini à partida ser o ponto de chegada.

Por fim, e em paralelo, tento encontrar um lado positivo daquilo tudo. Porque, acreditem, há sempre. Mesmo nas coisas mais duras. Mesmo naquelas que nos parecem incompreensíveis e injustas.
Se consigo racionalizar sempre? Não. Mas tento. Há uns anos não tentava sequer e perdia-me mais facilmente na espuma dos dias. Hoje, mesmo não conseguindo sempre, quanto mais tento, melhor e mais rapidamente consigo. Porque também aqui vou devagarinho, degrau a degrau, até alcançar o meu objectivo final: fazer isto por instinto. E sei que um dia chego lá. Macacos me mordam se não chego!

18 de maio de 2013

Numa palavra? Amor.

Quem bem me conhece sabe que não sou a pessoa mais paciente e nem a mais tolerante do mundo. Mas o que está em cima da mesa não é ser tolerante. Porque tolerar siginifica consentir, permitir, deixar passar. E eu não tenho que consentir nada, permitir nada, deixar passar nada. O que está em cima da mesa é apenas ser justo. É ser pelo bom senso. É ser pela liberdade. Também dos outros. E digo “também”, porque também é a minha.

A proposta do PS para a co-adoção por casais do mesmo sexo foi hoje aprovada por uma diferença de 5 votos, com 16 deputados do PSD a votarem a favor e 3 deputados do CDS a absterem-se.

A partir de hoje, um casal homossexual que se casou, e em que um deles adoptou uma criança, passa a poder partilhar legalmente a paternidade dessa criança. Um passo pequenino apenas, mas que espero que seja o primeiro de outros. Acima de tudo, de dar a um casal homossexual os mesmos direitos de um casal heterossexual. De não diferenciar.

Recebi a notícia com grande entusiasmo. Emocionei-me ao ver a reacção dos que, na Assembleia da República, assistiram em directo à decisão.

E foi com tristeza proporcional ao entusiasmo que li alguns comentários nas redes sociais, que se manifestaram contra a decisão. Respeito-os porque sou bem formada, mas não os aceito. Chocam-me. E mais me chocam quando vêm de jovens, muito jovens, que deveriam ter a mente mais aberta. Ou de gente informada. E isso entristece-me.

Acredito de coração que uma família deste género pode funcionar tão bem ou melhor que outra. Conheço alguns casos mas, mesmo que não conhecesse, bastava-me apenas uma palavra: amor. Tudo se resume ao amor. Tudo o que uma criança precisa é de amor. E com o amor vem o carinho, e com o carinho o equilíbrio. E, com o equilíbrio, um ser humano que ama e que sabe amar. Um ser humano de respeita o outro. Um ser humano daqueles que tanta falta fazem ao planeta.


E esse amor, carinho e equilíbrio podem ser ensinados/transmitidos por um pai e uma mãe, por um pai, por uma mãe, por dois pais, por duas mães.
Se um pai ama uma mãe, se uma mãe ama uma mãe, se um pai ama um pai, se todos amam os seus filhos, esses filhos vão ser felizes.

Não é “o comum”? Não. Mas o que é que é “o comum” hoje em dia? Quantos casais hetero vivem infelizes juntos uma vida inteira e passam essa infelicidade aos seus filhos, fazendo deles adultos problemáticos? Por outro lado, quantas famílias monoparentais (por opção ou não) criam adultos de excelência?
Que sociedade é esta que julga? Quem somos nós para decidir por decreto que o certo é um homem criar um filho com uma mulher. Até se podem maltratar, psicológica ou fisicamente, mas se é homem e mulher, tudo bem. É isso? Quem somos nós para decidir pelos outros que para gostar têm que gostar de alguém mas de sexo oposto. Caso contrário, são postos de lado. Por tantos e ainda pela lei. Perdem os direitos apenas por causa da sua orientação sexual. Porra, mas em que século vivemos?

Preconceito. É esta a palavra que, felizmente, me distingue de quem pensa assim. Que tento respeitar mas que ninguém me pode obrigar a aceitar.
É certo que o mundo continua cheio de injustiças, só que hoje estou mais feliz porque esta já não é uma delas. E isso faz-me acreditar um bocadinho mais na humanidade.

O que interessa mesmo? O seguinte: 
Projeto de Lei n.º 278/XII
Consagra a possibilidade de co-adoção pelo cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo e procede à 23.ª alteração ao Código do Registo Civil
Artigo 8.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no primeiro dia do segundo mês seguinte ao da sua publicação.

E que as crianças sejam felizes. Com pai e pai, pai e mãe, ou mãe e mãe. O resto são tretas.


 

13 de maio de 2013

Porque, como eles dizem, Desporto Escolar é Não Parar!

Este fim-de-semana fiquei a conhecer um bocadinho melhor o mundo dos professores. Em particular, o mundo dos professores de Educação Física. Mais em particular ainda, o mundo do Desporto Escolar.

Desta vez foi em Évora. Nos Nacionais 2013.
Dezenas de escolas, centenas de miúdos dos 14 aos 16 anos. Basquetebol, Voleibol, Andebol, Futsal, Atletismo, Provas de Orientação e Corridas, Perícias em Patins.

Pavilhões novos ou pavilhões velhos. Pouco importava, porque a motivação pareceu-me sempre a mesma. Nas bancadas, a família, a torcer por eles. Os “seus meninos”, como ouvi de duas mães que estavam ao meu lado.
Caixotes de t-shirts coloridas para todos, listas de presenças. Organização. Mas que grande organização.

Carolice, trabalho de equipa. Sangue, suor e lágrimas. Mas também divertimento. Sim, eu que nada tinha a ver com aquilo, que de desporto nada pesco, aprendi. E diverti-me à brava. Gente boa.
Ao contrário do que por aí se diz, o que eu vi ali foi gente empenhada. Homens e mulheres que trabalham durante a semana e que depois ainda o fazem durante o fim-de-semana. Muitas vezes, em prejuízo das próprias famílias.

Pagam-lhes bem? Não. Pagam-lhes mais por isto? Não. Vi alguém de má cara, contrariado? Claramente que não.
O que vi foi a dedicação, a vontade de fazer tudo andar, de cumprir o programa, de dar medalhas, de valorizar os “atletas”. De os manter no caminho certo para serem alguém no futuro. Através da prática desporto e do que ela nos ensina.

Miúdos que, de Norte a Sul do país, se deslocaram das suas terras, tantas vezes longínquas, para competir. Quem pagou? O Desporto Escolar.
 
 
Entre vários, um momento que retive: no fim de um almoço no refeitório da escola que servia de quartel-general à organização, depois de passar a manhã a entrar e a sair das escolas envolvidas, um café na sala de professores. Depois de alguns momentos de anedotas e de gargalhadas, como só os alentejanos sabem contar, altura para ponto de situação. Momento mais sério. Profissional. De concentração.
Rever como estava a correr, o que faltava, em que ponto se estava do programa. Como o cumprir até ao fim. Nada podia falhar. Tudo em prol dos miúdos, que levam este momento tão a sério. Até ao fim.

Directores Gerais, Coordenador Nacional, Coordenadores Regionais, Professores Responsáveis de Grupos Equipa, Equipa Nacional, Professores de Apoio, Coordenadores Nacionais de Modalidade e Alunos. Todos juntos. Sem queixas. A remar para o mesmo lado.

Nas competições vi miúdos felizes, com vontade de dar palco às suas escolas, de lhes dar destaque. De as pôr no pódio. De subirem ao pódio.
Vi miúdos dedicados ao desporto ao invés de perdidos pelas ruas a fazer disparates e a tornarem-se delinquentes. Vi miúdos com vontade de fazer desporto. Vi miúdos com saúde. E tudo isto sem terem que pagar. O Desporto Escolar é gratuito. Combate o insucesso escolar. Melhora a aprendizagem e o ensino. Promove a vida saudável e o trabalho de equipa. Faz de a quem a ele tem acesso, pessoas mais equilibradas.

É uma máquina gigante. Nacional. E oleada. Pelo que eu vi, muito bem oleada. Tarefas bem definidas, cada um sabe o seu papel de cor. Máquina posta a trabalhar por gente que se dedica a fundo ao projecto. Gente que leva cortes no salário, mas que continua a organizar estes momentos apenas com um objectivo: mostrar aos jovens que é importante manterem-se ligados ao desporto. Que a prática do desporto os vai fazer chegar mais longe.
Mesmo que nem todos se tornem Cristianos Ronaldos, aprendem que há mais para lá de jogos de computador, televisão e noitadas desregradas.

Senhores governantes, ponham os olhos nisto, apostem nisto. O Desporto Escolar é um dos caminhos mais importantes para termos gente bem formada no nosso país. Que tanta falta fazem. Como tão bem sabemos.

10 de maio de 2013

Parabéns Novabase!!!

Conheci-a com 10 anos, tinha eu 23 anos.

Ela era uma miúda crescida, mas uma miúda. E, como todas as miúdas desta idade, achava-se quase grande. Mas, no fundo, estava ainda a aprender e a perceber como as coisas aconteciam à sua volta.
Vivia no centro de Lisboa, com uma família de número razoável.

Com aquela idade já tinha conquistado algum respeito entre as outras da sua idade. Mas queria mais. Queria ir mais longe. Sentia que conseguia e estava pronta para novos voos. Altos voos.
Foi nessa fase que nos cruzámos, que veio ter comigo. Quando falámos pela primeira vez gostei da forma simples como se explicou. E como explicou o que queria de mim. Também gostei da forma como, para ela, e desde o primeiro minuto, a minha cadeira não foi um problema. Sequer motivo de conversa.

De resto, sabia que eu também estava a começar e aceitou fazer aquela nova viagem, viver aquela nova fase da sua vida comigo. Em conjunto. Era um desafio para partilharmos.
Nos dias que se seguiram fui apresentada ao resto da sua família, que também me acolheu de braços abertos.

Com o tempo, à agora “nossa” família, devagarinho foram-se juntando outras pessoas, muitas pessoas, e a casa foi ficando cada vez mais pequena.
Foi, por isso, necessário mudar, encontrar um sítio onde coubéssemos todos. Naquela altura e depois, mais 3 vezes. E ela sempre se preocupou em garantir que o espaço se adequava a mim.

Estamos juntas há 14 anos. Como em todas as relações, tivemos momentos de grande tensão. Mas outros de grande alegria. Conquistámos muita coisa juntas. Ajudámo-nos mutuamente a crescer .
Houve alturas em que achei mesmo que nos íamos separar. Houve momentos em que senti que ficarmos juntas não era, de todo, o meu caminho. Mas ela acabou sempre por me convencer do contrário e me fazer continuar a apostar em nós.
Lutou contra os maiores. Umas vezes ganhou, outras vezes perdeu. Mas tornou a sua luta conhecida por todos e reconhecida por tantos.

Há uns anos, destemida, decidiu abraçar novos desafios e partir para países que não o nosso. Levar o nome de Portugal mais longe. Não teve medo e partiu para onde ninguém a conhecia. Voltou a lutar contra os maiores até os conseguir ganhar. E conseguiu. Veio de lá com algumas nódoas negras mas cheia de projectos. Em alguns desses locais decidiu deixar uma bandeira sua. Noutros, trabalho a decorrer. Ou já terminado e a disponibilidade para voltar. Ah, e mais família, que não parou de crescer.
Acho que passo mais tempo com ela do que com a minha outra família. A de sangue. Mas passo com prazer.

É certo que já não nos une aquela paixão inicial, que quase nos cegava. Pelo menos a mim cegava-me. Porque a paixão cansa. Acaba. Mas passou a amor. Carinho. A cumplicidade. Já nos conhecemos bem uma à outra. Claro que ainda temos momentos muito intensos, de grande felicidade. E continuamos a tentar encontrar formas de nos surpreendermos uma à outra. Conseguimos muitas vezes e isso faz-nos querer continuar juntas.
Conhecê-la mudou o rumo da minha vida. Literalmente.

Hoje já é uma mulher. Chegou onde outras nunca chegaram. Ao topo. E eu cheia de orgulho por ter ajudado um bocadinho.
Como disse, estamos juntas há 14 anos. Quase 15. No mínimo, 9h por dia, todos os dias. Muitas vezes, também ao fim de semana.

O nome dela? Novabase. E hoje é pequenina. Faz 24 anos.
Parabéns miúda! Que os teus/nossos próximos anos continuem a ser de sucesso!

E, para ti, a nossa música :)


9 de maio de 2013

Adeus e até amanhã.

Ando há dias com uma sede imensa de escrever. Quero voltar a ter a sensação de terminar um texto e sentir que ele vai fazer a diferença na vida de alguém.

Mas a gaita é que esta vontade não anda acompanhada da necessária inspiração. Quando dou por mim estou a olhar para todo o lado para ver se a encontro.

Sobre o que é que hei-de escrever?
Penso em escrever sobre os meus dias de trabalho, de como correm, de como faço para que corram bem. Mas nem sempre correm e lá se me vai a inspiração.

Vou à minha varanda, olho para o meu pinhal, respiro fundo, mas vontade de escrever que é bom, nada.
Leio poesia que me enche o coração mas não dou o passo seguinte.

Chego a casa, ao meu canto, ao lugar onde posso estar-como-me-sinto, mas o cansaço ganha espaço e dou por mim apenas com dois objectivos: comer e ir dormir.
Ligo a televisão e só vejo desgraças. São atentados, mais corrupção, novas medidas de austeridade. Mais tarde, novela atrás de novela ou programas que deviam envergonhar qualquer ser humano minimamente normal. Reality shows. Que dão audiência, trazem publicidade, pagam ordenados, mas que alimentam a burrice extrema de quem a vê. E há assustadoramente muita gente a ver.

Chego à cama, pego no livro que fala de amor e acho-o uma verdadeira seca. Passo para o outro, que fala de crime, e não me prende. Por último, pego naquele que me deram com tanto carinho, mas que em cada frase preciso de recorrer a um dicionário, de tão complexa que é a escrita. E, mais uma vez, desisto.

Apago a luz. Viro-me para o outro lado e ligo a aparelhagem. Apanho uma rádio qualquer que passa uma música antiga. Uma música que me transporta para outros anos. Aqueles anos em que a minha maior preocupação era tirar notas razoáveis, divertir-me e namorar. E relembro-me de quão maravilhosos foram esses dias. E que bem que os aproveitei.
Também foram duros, é certo, porque apanharam a fase em que fiquei de cadeira de rodas. Mas tiveram o lado importante por terem sido anos que me tornaram naquilo que sou hoje. Com todas as qualidades e defeitos que trago em mim.

Lembro-me dos amigos que fiz na altura, mas também dos que perdi. Talvez um dia ainda os recupere.



A música teve sempre um papel fundamental na minha vida. Acompanhou-me nos dias tristes, nos dias felizes, nos dias de paixão, nos dias de discussão.
Quando era pequena, passava para o papel as letras das músicas enquanto as ouvia. Mas como ainda não sabia falar inglês, escrevia-as como me soavam. Play, pause, escreve o que percebeste, play, pause, volta a escrever o que percebeste. E assim aprendia a letras todas. Aldrabadas mas aprendia. Pelo menos a cantá-las.

Quando comecei a namorar, gostava de o fazer ao som de música. Por isso, há montanhas de músicas que marcaram momentos. E também por isso, quando as oiço, a minha cabeça vagabundeia por esses momentos.
Acho que sou uma sortuda por conseguir viajar através da música. A sensação de reviver o que já passei, é fantástica. É só minha.

A música termina. Começa outra que nada me diz. Aliás, hoje continuo a ouvir muita música mas não me marca especialmente. Pelo menos não me marca como me marcava noutras épocas. A adolescência é mesmo assim, acho eu.
Desligo o rádio e vejo os emails no telemóvel. Invariavelmente entram alguns de trabalho que me esforço para responder apenas de manhã. Não quero ninguém habituado a ter respostas minhas a horas tardias.

Navego no Facebook e encontro de tudo. E há dias em que tudo me irrita um pouco. Mas outros em que nada me irrita nem um bocadinho. Sinto-me lamechas nuns, fria noutros. Começo a achar que há um pouco de bipolaridade em mim. Ou talvez esteja apenas cansada.
Já é tarde e amanhã acordo cedo para ir trabalhar. Olho para o lado e está tudo como gosto: em cima do puf a roupa preparada para o dia seguinte, peça por peça. Em cima do armário, a catrefada de cremes, perfume e tudo o que ponho em cima depois do duche que me acorda. Ao lado, os brincos, o anel e o relógio decidido para aquele dia. Sou mesmo assim: para uns, organizada, para outros, uma seca. Mas, assumo, concordo que sou um bocado organizada a-atirar-para-a-seca.

Não me passa pela cabeça fazer como tanta gente que conheço faz, que decide tudo no próprio dia, de manhã, dependendo do mood com que acorda. Prefiro ter tudo pronto de véspera para poder acordar devagar, tomar o pequeno-almoço devagar, arranjar-me devagar. Começar o dia devagar. O dia vai forçosamente acelerar, quero aproveitar enquanto isso não acontece.
Está tudo no lugar. Na sala está a minha mãe, que ainda vê televisão. Depois oiço-a a desliga-la e a vir fechar-me a porta do quarto. Nessa altura já estou 80% lá e 10% cá. Ainda oiço, mas já tudo ao longe.

Estou debaixo do edredom, rodeada de almofadas. Nos lençóis, o cheiro do amaciador da roupa. Flores. Sinto-me confortável, no meu canto. Mas como sou complicada por natureza, ao sentir este conforto, lembro-me imediatamente de quem não o tem, sentindo até uma espécie de culpa por estar ali assim, tão bem...
Faço um esforço e tento esquecer-me disto porque preciso de dormir. Amanhã é mais um dia. Um dia novo. Mais um dia em que me cabe grande parte de fazer com que corra bem.

Mais um dia em que, quem sabe, farei a diferença. Em mim ou em alguém que me rodeia. É uma grande responsabilidade. Por isso vou dormir. Para que, se isso acontecer, eu esteja à altura. De mim, que mereço o melhor, ou dessa pessoa, que pode muito bem merecer o melhor de mim.

Até amanhã. Durmam bem.