26 de julho de 2019

Li-ber-da-de


Não sei se vos consigo passar o que senti hoje. Mas vou tentar.

Há meses que esperava que o batec chegasse. Batec é o nome técnico do aparelho que, acoplado à cadeira, a torna elétrica.

Quando chegou, logo de manhã, nem consegui sentir-me nervosa, tal era a vontade que tinha de o experimentar mais do que já tinha experimentado há uns meses na garagem da minha empresa e nas ruas ali à volta, por alguns minutos.

Assim que o prendi à minha cadeira, que estava mais poderosa do que nunca por ter recebido a tela com o símbolo final da Wonder Woman - enorme, bordado nas costas - apeteceu-me acelerar.

Não me deixaram, naturalmente, mas fi-lo, naturalmente também, quando me apanhei sozinha, numa reta que fica numa rua mais acima, onde os olhos deles (e os da minha mãe, que estava colada na varanda, com o coração na boca) não chegavam.




Senti exatamente o que achei que ia sentir quando me apanhasse com aquilo nas minhas mãos.

E tudo coisas simples mas tão importantes para mim. 

O vento na cara. Até a velocidade, mas ali controlada por mim. A felicidade e a possibilidade de a atingir sozinha, sem precisar das mãos de ninguém, mesmo que elas me cheguem sempre tão cheias de boa vontade.

Senti que os caminhos de terra batida que sempre viveram ali dentro do pinhal que me servia de quintal estavam à minha espera. Senti que o gel de banho e a pasta de dentes que me faltam na casa de banho estavam apenas a uns metros, no supermercado ali da rua. Senti que, da próxima vez que fosse ao cabeleireiro, ia poder fazê-lo sem ter que me coordenar com alguém lá de casa para me ir pôr e ir buscar. Senti que podia ser eu a ir buscar o almoço ao Fernando. E que, se fosse preciso, também podia passar pela papelaria e trazer o tabaco à minha mãe. Senti que podia seguir em frente e chegar onde nunca tinha chegado antes, fazer o que nunca tinha feito sozinha. Sozinha.

Foi uma sensação incrível de poder e autonomia. De liberdade. Li-ber-da-de. Escrita assim, para ser lida devagar. Sa-bo-re-a-da.

Os últimos anos têm sido isto. Ouvir mais o que me vem cá de dentro. Sentir as borboletas na barriga mas não as deixar morrer por ali e dar-lhes mundo para voarem mais longe e a meu favor.

Depois de viver assim, já não quero viver de outra forma. Não quero mais limites do que aqueles que não consigo controlar. Se me apetece, se me faz feliz, se não prejudica ninguém, quero avançar.

Por isso, esta sou eu. Com menos filtro. Mais solta, mais descontraída, mais tranquila, mais segura. Mais aventureira e, acima de tudo, mais corajosa. Mais “se queres muito, segue”, “se é mesmo isto, luta por isso e não deixes escapar”. Mesmo que alguns não entendam. Custa? Por vezes custa. Mete medo? Sim, às vezes sim. Se isso me vai impedir? Dificilmente. Aos 43? Ui, muito dificilmente.