24 de março de 2020

Quarentena de uma quarentona


Estou há 14 dias em casa.

"Ver-ver", vejo a minha mãe, que vive comigo, e de vez em quando a minha irmã e a minha sobrinha, que vivem do outro lado da rua e que vão passando por cá.

Depois há os que vejo apenas online, via skype ou whatsapp.

O que me custa mais "ver apenas assim", à distância, é o meu namorado, porque as saudades apertam, e muito.

Mas também me entristece "ver apenas assim" os colegas com quem estou habituada a partilhar o meu espaço, mesmo que 1 ou 2 vezes por semana, quando vou ao escritório.

Sou muito disciplinada, passo os dias a trabalhar, até porque já é um hábito com quase 16 anos. Esse não é um problema.

O que me faz falta é a sensação simples de saber que a meio da semana vai chegar o dia de ir a Lisboa, de passear na minha mota sozinha à beira rio, de acabar o dia na Gare do Oriente com os meus colegas voluntários do CASA, e eu não vou lá estar.

Hoje ligou-me o Henrique, um dos amigos que tenho naquela rua. Queria saber se eu estava bem. Eu, em casa, confortável, segura. Ele na rua, desconfortável, inseguro. E queria saber se eu estava bem. “Temos sentido a tua falta, mas queremos-te em casa.”, diz-me. “Nós estamos bem…”, descansa-me. Mas eu sinto que está assustado e isso deixa-me inquieta.

Quando paro para pensar “então, mas isto vai ser assim durante mais quanto tempo?” fico com um pequeno nó no estômago. Porque tenho consciência de que vai demorar.

Sou uma privilegiada. Já passei por inúmeras situações de merda, safei-me de todas. Muito por causa delas, aprendi a trabalhar de casa, onde hoje tenho as condições e o sossego necessários para dar resposta ao que a empresa me pede. Mas sou uma privilegiada. Há quem não se oriente neste novo modelo.

Estou protegida, num ambiente livre de bichos, até agora, e acompanhada.

Se tiver que ir à rua não vou usar máscara nem luvas. Prefiro lavar as mãos e manter a distância social aconselhada pelas autoridades de saúde.

Sinto-me bem informada sobre o tema, dados que consumo apenas em meios e junto de pessoas que considero credíveis.

E, sim, já me deu para as limpezas. Sábado fui invadida por uma vontade quase incontrolável de dar uma volta ao meu quarto. Resultado? Enchi 3 ou 4 sacos do lixo dos de 50 litros. Assumo: saí à minha avó, no que diz respeito a guardar tralha.

Nos próximos dias, cheira-me que vou atacar o quarto do meio. Tenho para lá uns leitores de DVDs que, quando avariaram, há anos, decidi guardar. E não perguntem para quê porque não vos sei responder.

Também já pisquei o olho à arrecadação da varanda das traseiras, onde ainda guardo os aparelhos que usava para pôr nas pernas na sala de fisioterapia do Centro de Reabilitação de Alcoitão. Em 1991. Como veem, a coisa promete.

Tenho poucas certezas sobre como estará o mundo quando isto tudo passar. Mas, por este andar, a minha casa estará muito mais arrumada.

Mas até passar, devemos dar passos curtos. Viver um dia de cada vez. Não nos desleixarmos nos cuidados de higiene. Protegermo-nos e protegermos os outros. Fazer a nossa parte para travar este filho da mãe deste vírus, que nos tem a todos posto à prova.

Estou em casa há 14 dias. Farta desta treta até aos olhos. Cheia de saudades do que tenho lá fora. Mas com a certeza de que o que lá está, vai lá estar quando der para voltar a rolar por aí que nem uma maluca.