Custam a aceitar.
O coração estremece. O lado emocional do cérebro começa a fazer contas aos dias
e ao que aí vem. Por vezes atrapalha-se todo, tropeça, cai. E chega a precisar
da ajuda de alguém para se levantar de novo.
Mas, geridos e digeridos
os primeiros momentos, o impacto inicial, o corpo reergue-se. Larga o word -
simples e onde nos perdemos em emoções - e mune-se do excel da vida. Frio, distante,
que calcula, que analisa. Que agrupa todas as células e faz o somatório. E que
traz resultados claros.
É nesta altura que
o lado matemático do cérebro começa a ganhar espaço e obriga o corpo a
manter-se à tona. Comigo tem sido assim.
Na minha vida,
em que o lado emocional foi sempre tão activo – pela paixão, pelo imediato, pelo “à
flor da pele” – foram muitas as vezes em que foi preciso parar e deixar o lado
oposto pegar nas rédeas. Tomar o controlo da situação. Tanto na vida pessoal
como profissional.
Nem sempre foi
fácil. Houve grandes batalhas entre os dois. Umas vezes ganhou um, outras o
outro. Mas o “2+1 = 2” sempre foi mais forte que o “2+1 = ao que eu quiser”. E,
até ver, ainda bem.
Tudo começou pela
saúde, área em que a vida me reservou algumas surpresas.
Desde logo com o
“presente” de uma paraplegia aos 15 anos. O auge da mudança da vida de uma
miúda. A passagem do estado criança para o estado adolescente.
Nesta altura,
o meu lado “lógico” estava de olhos bem abertos. Um dia acordo (de
coma) e percebo que metade de mim tinha adormecido. Mas rapidamente constato que
se tratava da parte menos importante. Afinal, o coração, a cabeça, o que me
ligava ao mundo mantinha-se intacto. Acordado. Em oposição ao que da cintura vai
até lá abaixo, que entra num sono profundo. Sem hipótese de beijo para acordar.
Não, aquilo não era, de todo, um conto de fadas.
Anos mais tarde,
uma septicémia grave causada por uma escara infectada. Nos primeiros tempos, o
lado esquerdo domina o palco. Mas, desta vez, o lado direito não lhe deu
tréguas e ganhou na contracena. Acho que, no fundo, o venceu pelo cansaço. O
meu lado “tubarão”, que resistia a tudo, estava estoirado.
Senti-me uma
formiguinha. Pequenina e, pela primeira vez, a deixar-me levar pelo mar de
emoções. E houve uma altura em que pedi isso mesmo. Que me levasse.
Mas era cedo. Era
cedo e, por isso, o lado matemático deu um murro na mesa, começou a fazer
contas. A somar força com força. A multiplica-la. Depois dividiu-a de forma
equilibrada por todas as partes do meu corpo debilitadas pela infecção. E o
resultado foi que ganhou a guerra. Contra todas as previsões, livrei-me da
septicémia.Depois parti a perna e, entre com gesso e sem gesso, deparei-me com quase 7 meses com ela esticada. Mais uma vez lado prático a funcionar: a primeira coisa que fiz foi replanear as férias para as poder aproveitar mesmo assim. E medir o elevador da empresa, para perceber se cabia lá dentro para poder voltar ao trabalho. Correu tudo bem. Mais uma vez, o “tubarão” esteve bem acordado e comandou a situação.
Pelo meio disto
tudo tornei-me uma pessoa mais dura, menos paciente. Mas tentei nunca perder de
vista o carinho, a tolerância, o toque. Não para todos – às vezes até
infelizmente menos do que eu gostava - mas, tento, para quem merece ou precisa
mesmo.
Por fim, a saúde
deu-me, finalmente, tréguas. Mas o que aconteceu marcou-me para sempre. E, sim,
formou-me. Ensinou-me a distinguir o essencial do acessório. O que interessa do
que não interessa. Pelo que devemos lutar, pelo que não merece sequer o
esforço. “Pelo que” e “por quem”.
Por isso, quando
hoje me acontece alguma coisa menos boa, seja de saúde ou mesmo ao nível
profissional, há um exercício que me obrigo a fazer: não me agarrar à reacção a
quente e parar para pensar. Gerir o primeiro impacto.
Em primeiro lugar,
tento “sair da situação” para depois, à distância, olhar para ela de uma forma
fria, racional. Segundo passo: analisada a situação, traço o caminho para
chegar onde eu quero. Onde é necessário chegar para sobreviver. Quando o
percurso se prevê longo, dou um passo de cada vez. Vivo um dia de cada vez.
Sempre focada no que defini à partida ser o ponto de chegada.
Por fim, e em
paralelo, tento encontrar um lado positivo daquilo tudo. Porque, acreditem, há
sempre. Mesmo nas coisas mais duras. Mesmo naquelas que nos parecem
incompreensíveis e injustas.
Se consigo
racionalizar sempre? Não. Mas tento. Há uns anos não tentava sequer e perdia-me
mais facilmente na espuma dos dias. Hoje, mesmo não conseguindo sempre, quanto
mais tento, melhor e mais rapidamente consigo. Porque também aqui vou
devagarinho, degrau a degrau, até alcançar o meu objectivo final: fazer isto
por instinto. E sei que um dia chego lá. Macacos me mordam se não chego!