Não foram muitas. Mas houve vezes
em que me perguntei “porquê eu?”.
Sempre fui aquilo que se pode considerar uma "gaja porreira".
Boa miúda, equilibrada, cedo comecei a
fazer amigos com muita facilidade. Já na escola, tornei-me numa pessoa popular, tanto junto
dos colegas, como junto de alguns professores.
Depois de ter ficado de cadeira
de rodas, o mundo de grande parte das pessoas que me rodeavam passou a girar em
torno do meu. A minha família, naturalmente, mas também alguns dos meus amigos,
que não planeavam uma saída sem perceberem como me levar. As escadas das discotecas e dos restaurantes ou a areia
da praia nunca foram obstáculos. Não havia nada que, juntos, não ultrapassássemos.
Os anos foram passando e também é
verdade que foram aparecendo alguns inimigos. Mas nunca grave o
suficiente para o mundo deles girar em torno do meu. Picardias. Irritações.
Gente que me encanitava. Só isso. Até porque, com o tempo, fui aprendendo a mantê-los à distância.
Por isso digo que sempre fui uma "gaja porreira". E, precisamente por ser assim, houve vezes em que me perguntei, “porra, porquê
eu, se há tanta gente ruim no mundo que merecia passar por uma m"#$%& destas…e
nada lhes acontece?”
Os anos foram passando e com eles
vieram alguma sabedoria e algum bom senso. Assim passei a formular a
pergunta ao contrário. “Porque não eu?”. “Em que é que eu serei diferente, que
impede que algo de mau me aconteça?”.
Mas os anos trouxeram-me mais do
que isso. Trouxeram-me outras formas de ver a vida e ensinaram-me a interpretar melhor o que me ia
acontecendo. A questão passou a “tem que haver uma explicação para que isto me
tivesse acontecido a mim.”
Quero acreditar que fui uma das
escolhidas. Quero acreditar que tenho uma espécie de missão na vida, que espero
que seja muito longa. Quero crer que, quem comigo se cruza, vê mais do que uma
desgraçada que deixou de andar aos 15 anos e que esteve a patinar aos 29
com uma septicémia.
Quero, com a minha história de
vida, poder servir de exemplo e ajudar quem precisa a perceber que nada é
impossível. E que, por detrás de uma acontecimento trágico, não tem forçosamente
que haver uma história de vida infeliz.
Não quero que me vejam como uma
heroína, porque estou longe de o ser. Tenho dias em que nem para uma mosca sou
exemplo. Mas quero que vejam alguém a quem a vida já passou algumas rasteiras e
se levantou sempre. Alguém que tem sido posta à prova algumas vezes, mas que
conseguiu encontrar o lado bom. Alguém que decidiu - repito "decidiu" - passar por cima dos buracos
que o caminho da vida foi tendo e seguiu em frente. Uns dias com mais agilidade,
outros com menos, mas sempre em frente e o melhor que pode.
Hoje consigo ver as coisas de uma
forma muito mais clara. E cada vez acredito mais que, continuando a esforçar-me
para superar os meus medos (algo em que tenho vindo a trabalhar nos últimos
anos, com resultados) vai ser mais fácil a vida mostrar-me tudo o que de bom ainda me reserva.
Que é muito, tenho a certeza. Até porque quem me conhece bem, sabe que não me
contento com pouco.