Estou há
14 dias em casa.
"Ver-ver",
vejo a minha mãe, que vive comigo, e de vez em quando a minha irmã e a minha
sobrinha, que vivem do outro lado da rua e que vão passando por cá.
Depois
há os que vejo apenas online, via skype ou whatsapp.
O que me
custa mais "ver apenas assim", à distância, é o meu namorado, porque
as saudades apertam, e muito.
Mas
também me entristece "ver apenas assim" os colegas com quem estou
habituada a partilhar o meu espaço, mesmo que 1 ou 2 vezes por semana, quando
vou ao escritório.
Sou
muito disciplinada, passo os dias a trabalhar, até porque já é um hábito com quase
16 anos. Esse não é um problema.
O que me faz falta é a sensação simples de saber que a meio da semana vai chegar
o dia de ir a Lisboa, de passear na minha mota sozinha à beira rio, de acabar o
dia na Gare do Oriente com os meus colegas voluntários do CASA, e eu não vou lá estar.
Hoje
ligou-me o Henrique, um dos amigos que tenho naquela rua. Queria saber se eu
estava bem. Eu, em casa, confortável, segura. Ele na rua, desconfortável,
inseguro. E queria saber se eu estava bem. “Temos sentido a tua falta, mas
queremos-te em casa.”, diz-me. “Nós estamos bem…”, descansa-me. Mas eu sinto
que está assustado e isso deixa-me inquieta.
Quando paro
para pensar “então, mas isto vai ser assim durante mais quanto tempo?” fico com
um pequeno nó no estômago. Porque tenho consciência de que vai demorar.
Sou uma
privilegiada. Já passei por inúmeras situações de merda, safei-me de todas. Muito
por causa delas, aprendi a trabalhar de casa, onde hoje tenho as condições e o sossego
necessários para dar resposta ao que a empresa me pede. Mas sou uma privilegiada.
Há quem não se oriente neste novo modelo.
Estou
protegida, num ambiente livre de bichos, até agora, e acompanhada.
Se tiver
que ir à rua não vou usar máscara nem luvas. Prefiro lavar as mãos e manter a
distância social aconselhada pelas autoridades de saúde.
Sinto-me
bem informada sobre o tema, dados que consumo apenas em meios e junto de
pessoas que considero credíveis.
E, sim, já me
deu para as limpezas. Sábado fui invadida por uma vontade quase incontrolável
de dar uma volta ao meu quarto. Resultado? Enchi 3 ou 4 sacos do lixo dos de 50
litros. Assumo: saí à minha avó, no que diz respeito a guardar
tralha.
Nos
próximos dias, cheira-me que vou atacar o quarto do meio. Tenho para lá uns leitores
de DVDs que, quando avariaram, há anos, decidi guardar. E não perguntem para quê
porque não vos sei responder.
Também já pisquei o olho à arrecadação
da varanda das traseiras, onde ainda guardo os aparelhos que usava para pôr
nas pernas na sala de fisioterapia do Centro de Reabilitação de Alcoitão.
Em 1991. Como veem, a coisa promete.
Tenho poucas certezas sobre como estará
o mundo quando isto tudo passar. Mas, por este andar, a minha casa estará muito mais arrumada.
Mas até passar,
devemos dar passos curtos. Viver um dia de cada vez. Não nos desleixarmos nos
cuidados de higiene. Protegermo-nos e protegermos os outros. Fazer a nossa
parte para travar este filho da mãe deste vírus, que nos tem a todos posto à
prova.
Estou em casa há 14
dias. Farta desta treta até aos olhos. Cheia de saudades do que tenho lá fora. Mas com a
certeza de que o que lá está, vai lá estar quando der para voltar a rolar por
aí que nem uma maluca.