Devo confessar
que vou sempre de coração nas mãos para férias. E não é só porque sonho com
elas o ano inteiro e quero que corram bem. É porque têm tanto por onde correr
mal, que eu, virginiana pura, mergulho com demasiada facilidade em preocupações
profundas e por antecipação, mesmo sabendo que não posso controlar o mundo.
É uma
espécie de “filme de ação” que arranca em março, quando inicio a procura da
casa ideal para férias. E a casa ideal para férias fica no sul do país, mínimo
T2, acesso para mim (wc, quarto com cama alta, piscina com degraus para
entrar), e permitir animais, porque o Chico faz parte desta família, como todos
os nossos cães fizeram, e vem sempre connosco, como os outros vieram. Cereja no
topo do bolo: que esteja dentro do orçamento familiar. Depois de uma procura
exaustiva, a decisão final é sempre tomada por todas.
Nos meses
que se seguem, e já com a casa reservada, gostamos de passar algum tempo a
olhar para as fotos da eleita, e a imaginar como serão os pequenos almoços lá
fora, os mergulhos na piscina, os grelhados ao fim do dia, qual o melhor
caminho para a praia, encontrar restaurantes perto onde valha a pena ir e onde,
claro, aceitem que levemos o Chico connosco.
Depois de fechado
o local da estadia, chega a altura de me preocupar com aquilo que mais gosto de
fazer no Algarve: ir a banhos. Será que a praia está em condições? Será que o
tiralô (carrinho anfíbio que me leva até ao mar) está operacional? Será que o
wc está a funcionar e limpo? Será que os Nadadores Salvadores deste ano são
simpáticos? Estarão eles preparados para me ajudarem, sem eu sentir que sou uma
espécie de mono e que estão a fazer-me um favor?
A verdade é
que, no ano passado, a coisa não correu da melhor forma. O wc estava lá, mas
também estava sempre imundo ou ocupado por quem dele não precisava, o tiralô
existia, mas sem qualquer manutenção, havia Nadadores Salvadores impecáveis,
mas com horários fixos para nos levar ao banho, entre outros problemas.
ver artigo sobre o ano passado
Durante todo o ano tentei contactar a entidades competentes (INR, neste caso), alertando para o que menos bem tinha corrido e a disponibilizar-me para ajudar a repensar estes acessos. Em vão, porque nunca me responderam.
ver artigo sobre o ano passado
Durante todo o ano tentei contactar a entidades competentes (INR, neste caso), alertando para o que menos bem tinha corrido e a disponibilizar-me para ajudar a repensar estes acessos. Em vão, porque nunca me responderam.
Também por
isso fui a medo lá para baixo. Se estivesse tudo igual ao ano passado, avizinhavam-se
dias de stress e ia acabar por me chatear para conseguir usufruir do mar em
pleno. Mas arrisquei e não mudei de praia.
Antes de
descer até ao areal, decidi espreitar a casa de banho do bar. Abri a porta, pelo
sim, pelo não, já sem respirar pelo nariz, e qual não foi o meu espanto quando
percebi que estava tudo impecavelmente limpo, sem grão de areia no chão ou no
lavatório, e a cheirar a lavado. Dirigi-me ao bar e disse ao que me pareceu o
dono do bar “não sei se foi sorte, mas devo dizer-lhe que nunca vi a casa de
banho tão limpa. Obrigada por isso.”. O homem agradeceu, um bocadinho envergonhado,
mas visivelmente orgulhoso. É o novo concessionário daquela praia, e fica naturalmente
contente quando o elogiam.
O dia estava
de escalda, o mar chão e a uma temperatura que pedia que entrássemos nele. Da
ponta do passadiço, vejo uma praia ordenada, organizada, como nos outros anos.
Os colmos destinados para clientes com mobilidade reduzida continuam no mesmo
sítio: logo à entrada da praia, quando o que diz o requisito de “praia
acessível” é que estes estejam “o mais próximo possível do mar”. Mas não estão.
Respiro fundo e desço a rampa que me leva até ao meu colmo.
Ao longe, vejo o tiralô,
estrategicamente estacionado perto da bandeira. Um pouco abaixo, os Nadadores Salvadores
da praia. Olho com mais atenção e reconheço dois deles do ano passado, o João e o
Rúben, que rapidamente se aproximam, me cumprimentam com um “Olá!” familiar, me
apresentam aos outros elementos da equipa, e me perguntam “é para ir já lá para
dentro?”. Respondo que sim, e gosto que eles se lembrem exatamente do que me
leva até àquela praia todos os anos: ir ao mar.
Minutos
depois, estou lá dentro com eles, entre gargalhadas e conversas parvas. No meio
da palhaçada, olho para as a famosas “gaivotas” e comento que “há anos que não
ando numa coisa daquelas…”. Quando dou por mim estou à beira mar, no tiralô, e
ao meu lado a equipa de Nadadores Salvadores e de apoio às “gaivotas” a posicionarem
uma para me colocarem lá dentro.
30
anos depois, com 42 anos, volto a fazer algo que só fazia em miúda, em Sesimbra.
E mais, com a Carlota a comandar os destinos “do bicho” e, com dois elementos a
acompanhar-nos com a prancha.
Comecei
por vos dizer que fui a medo lá para baixo. E a verdade é que vou sempre,
porque, na minha condição, ir – seja onde for - implica perder o controlo da
situação e “entregar-me” um bocadinho à sorte. Neste caso, faço-o ao mesmo
tempo em que me refugio no facto de não ir sozinha. Aconteça o que acontecer,
resolve-se.
Mas
depois destes dias, vou voltar. Espero que cada vez menos de coração nas mãos e
cada vez mais com o sal do sul no corpo.