Peguei no comando da televisão e, no meio de um zapping,
páro na 2.
Estava a passar um documentário sobre um centro de skate
no Afeganistão. “Um centro de skate no Afeganistão?”, pensei. Sim, tinha visto bem, no
Afeganistão. Em Cabul. Zona de combate. Zona que cheira a morte. No meio de
tudo aquilo, um oásis. Chama-se Skateistan.
As imagens que passavam eram assustadoras. Como, aliás, são
todas as imagens de cenários de guerra.
As cores, essas, sempre as mesmas. Cinza, cru, castanho. Os
tons terra que nos traz a guerra. E padrão camuflado, com presença de um soldado em
cada esquina.
Pó. Muito pó. Prédios destruídos? Todos. Ali não escapou
nenhum. E, com eles, perderam-se milhares de homens, mulheres e crianças.
Por entre os escombros, um centro de skate que tem como
missão retirar os miúdos das ruas. E que, pelo meio, lhes ensina várias
disciplinas e promove workshops sobre arte. Um centro que os prende pelo desporto e
que os ensina a viver. E, acima de tudo, a sobreviver no meio da miséria onde nasceram.
Em 6 anos, o Skateistan já “recrutou” mais de 400
crianças. 400 crianças que talvez se tivessem perdido se ali não estivessem. 400 crianças que são parte do futuro do Afeganistão.
Sobretudo rapazes, mas também raparigas. Num país que não liberta a
mulher, muito menos dá direito às crianças. Principalmente a elas, as miúdas. “Quando
ando de skate na rua, ficam todos a olhar para mim. Sei que me condenam. Mas eu
não quero saber. Não vou deixar de andar de skate e frequentar o centro por
causa disso.” Palavras de uma rapariga de 10 anos que, contra a sua
própria família, e de skate debaixo do braço, se divertia nas ruas destruídas
daquela cidade atirada para um canto pelas armas.
Estes miúdos vivem nas ruas e, pior, das ruas.
A vender pastilhas elásticas. Sobrevivem a lavar carros com água da chuva e panos velhos. Imundas, camisolas rotas, descalças e de ranho no nariz.
Passam fome.
É assim em Cabul e é assim no Iraque. É assim na Síria e
em tantos países de África. É assim em grande parte do mundo, mesmo em pleno
século XXI. Porque também não podemos ignorar o que acontece às crianças na Índia e na
China, por exemplo.
Ontem deitei-me na cama com uma constipação das antigas e
a sentir-me a pessoa mais desgraçada do mundo. Mas depois disto engoli tudo.
Porque, melhor ou pior, no dia seguinte ia acordar. Já estas crianças,
se tiverem dia seguinte, será uma sorte.
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