Há uns dias, durante um painel que assinalava o Dia
Internacional da Mulher em que eu participava, perguntaram-me o que é que me
fazia feliz.
Respondi “eh pá…tanta coisa…”, porque tinha aprendido a
encontrar felicidade nos pequenos momentos que a vida me trazia todos os dias.
E aprendi mesmo.
Nasci no último dia do verão, de cesariana, e depois de um
parto difícil, que ia acabando mal.
“Vou salvar a mãe, porque a filha já não será possível”. Foi
assim que o meu pai recebeu a notícia de que as coisas estavam a complicar-se
lá para dentro.
No fim, tudo acabou bem, comigo cá fora, num berreiro digno
de quem tinha esperado 9 meses para sair e que tinha estado perto de não
conseguir. “Eras linda, filha. Cor-de-rosa, perfeitinha e, como todos diziam, a
bebé mais bonita da maternidade”, lembra-me tantas vezes a minha mãe.
Vivi e cresci no bairro de Alvalade, em Lisboa. Uma infância
feliz, com direito a liberdade na rua, nos quintais das traseiras, onde nos
imaginávamos sempre em Angra dos Reis, inspiradas nas novelas que a noite nos
trazia.
Era um prédio antigo, a casa do avô, estrela do futebol e do
clube que me acompanha até hoje. Era a vizinha de cima, 2ª avó, onde ficávamos
depois das aulas e à espera que os nossos pais chegassem do trabalho. Eramos as
irmãs Metralha, sempre prontas para fazer a vida negra a alguém.
Foi assim por 15 anos. Até àquele décimo primeiro dia de
março de 1991.
Arrancou frio, ainda com cheiro a inverno. Com ele, uma casa
de banho, um esquentador ligado, uma janela e uma porta fechadas, uma adolescente a
preparar o banho para depois seguir para mais um dia de escola. Tudo normal.
Depois veio uma campainha que tocou porque eram horas de ir
ao café fumar um cigarro às escondidas antes das aulas, mas uma porta que já não se
abriu porque, do outro lado, algo tinha acontecido.
Um dia que resumiu àquele banho da manhã 15 anos de uma
vida curta mas cheia de aventuras, namoricos, saídas à noite, idas à praia com
os amigos, boas notas, más notas, verdades e mentiras.
Foram 15 anos com tudo o
que cabia neles. Nada ficou por fazer.
Naquele dia, um acidente estúpido, quase fatal. Mas também
um recomeço. Uma realidade desconhecida que me propus enfrentar com todas as
forças do meu corpo. E que fiquei a dominar como poucos.
Hoje comemoro essa 2ª oportunidade que a vida me deu.
Passaram-se 28 anos. Mesmo que custe a acreditar, porque o
tempo corre mais rápido do que conseguimos acompanhar.
28 anos vividos sentada numa cadeira que se tornou na minha
mais fiel companheira e que me leva para todo o lado. 28 anos de malta boa à
minha volta. Alguma todos os dias, outra só de vez em quando - mas com um lugar
cativo no meu melhor canto, o coração - e sempre com vontade de deixar entrar
novas personagens, desde que elas acrescentem valor e me deem na mesma proporção que lhes dou. 28 anos e com a capacidade de me renovar a cada dia, de
viver como nunca.
28 anos depois, estou hoje mais atenta ao que me rodeia
porque deixei de olhar só para mim. 28 anos depois, estou hoje mais tolerante
com quem não pensa como eu, mas cada vez menos em relação às injustiças que
acontecem à minha volta e com cada vez mais necessidade de fazer algo para as
mudar.
Nestes 28 anos, aprendi a conviver com as minhas zonas de
conforto, mas já ouso sair delas de vez em quando. Aprendi a afastar-me do que
não quero e a aventurar-me por caminhos que nunca tinha equacionado, talvez por
achar que não seriam para mim. Aprendi que não sou finita, e a querer eternizar
em mim experiências que antes não sentia vontade de viver.
Aceito com mais serenidade que há dias em que enfrento o
mundo sozinha e cheia de pica, mas outros em que rezo para que se esqueçam do
meu nome e me deixem em paz. Aceito que há pessoas que se aproximam de mim para
me iluminarem, outras que apenas o fazem para se iluminarem a elas próprias.
Aceito que também me engano e que, quando isso acontece, posso voltar atrás.
Aceito que a verdade não é sempre a minha e que por vezes é preciso saber ouvir
e seguir os outros. Aceito que tudo o que nos acontece, acontece no tempo que o
tempo quer, e que os astros se alinham, se for o caso. Se não for o caso,
também aceito e deixo seguir.
Tenho hoje o lado tranquilo e o lado louco bem arrumados
cá dentro, mas dou-lhes como nunca dei antes a liberdade de se misturarem
sempre que eles quiserem. Acelero nas retas e já não travo tanto nas curvas
porque, se me despistar, sei que, mais ou menos dorida, com mais ou menos dentes,
consigo sempre regressar à pista.
Hoje, 11 de março de 2019, é dia de comemorar a viagem
incrível que tenho feito. De agradecer à tripulação brutal que a tem feito
comigo. E de me orgulhar do piloto do caraças que tenho mostrado ser.
Mas porque eu não cheguei aqui para desistir, e porque conto
viver ainda muitos momentos felizes, dizer-vos apenas que mais 28 parecem-me
poucos, por isso que venha de lá, no mínimo, o dobro.
Se puderem, façam um “tchim tchim” ao dia de hoje. E mantenham-se
por perto.
Estimada Marta,
ResponderEliminarSábias as suas palavras para descrever essa sua 2ª oportunidade tão intensamente vivida!
Há muito que ando para ler o seu livro e, desta vez vou procura-lo e ler!
Desejo-lhe que venham, no mínimo, esse dobro de mais anos!
Tenha uma feliz semana!
JM
A ouvi la na televisão.
ResponderEliminarMULHER extraordinariamente motivadora.
Eu, numa cadeira de rodas transitoriamente, sinto me verdadeiramente insignificante.
Continue inspiradora!
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