Nunca gastei muito tempo a pensar “porquê
eu?”.
Aceitei o que me tinha acontecido
com uma pontinha de imaturidade, natural aos 15 anos.
O tempo foi passando, fui-me
habituando a viver assim. Quando experimentava olhar para trás e começava a
fazer perguntas, movimento que tentei fazer poucas vezes, dava conta que os amigos
estavam lá, a família estava lá, o meu mundo continuava a rolar e, com pequenas
alterações aqui e ali, era quase normal. Voltava-me para a frente e seguia.
E assim vivi a fase inicial do
acidente que me deixou a herança de uma cadeira de rodas para gerir. Há
heranças melhores, é um facto. Mas também haverá piores.
Aos 29, quando enfrentei aquele que até
hoje considero o maior desafio da minha vida, a septicémia, voltei a não olhar
muito para trás. Aqui já não contei com a imaturidade dos 15 anos, mas valeu-me
a imbatível sabedoria dos 30. Foi uma fase dura de aguentar, em que senti a
minha energia a chegar ao fim, mas foram poucas as vezes que parei para perguntar
“porquê eu?”.
“Deus nunca tira vida, Deus dá
sempre mais vida. Pode não ser a vida que desejamos, é a vida que precisamos.”.
Hoje uma amiga publicou esta frase no seu mural, atribuída a um homem da
igreja, que me fez pensar.
Fui criada no seio de uma família maioritariamente
católica. Uns mais praticantes que outros, mas católicos. Cedo aprendi a rezar e
a conversar com Deus, ensinamentos da minha avó Olinda que guardo até hoje e aos
quais recorro sempre que me apetece. Muitas são as vezes em que dou comigo a
falar com Ele, esperando sempre que me oiça. A maior parte das vezes apenas
para agradecer o dia e para pedir proteção para os que me rodeiam. As que
restam para pedir coragem para aguentar situações mais complicadas.
Costumo dizer a brincar que tenho
canal direto lá para cima, tantos foram os momentos que me safei do pior, e
tantos foram os momentos em que me consegui “organizar por dentro” para
enfrentar casos mais bicudos.
Mas, confesso, a frase tem um travo
amargo. Confesso a minha dificuldade em aceitar que este Deus, que me ouve e
com quem converso, me tenha dado a vida “que eu preciso”. Porque precisar significa
“necessidade”. Significa “não poder passar sem”. E eu poderia passar sem estas
provas.
Não é que não tenha uma vida
preenchida, ou que não seja feliz com ela, porque sou. Mas nunca ficou claro para
mim o critério que escolhe confrontar uma miúda de 15 anos com a realidade de
deixar andar, porque nunca percebi o critério de confrontar uma jovem que já
não anda com uma septicémia que a deixa no limite das forças.
Dir-me-ão que devemos aceitar o que
nos acontece e o que para nós está destinado. Mas eu aceitei. Aceitei e juntei
todos os bocadinhos de coragem, força e determinação que o meu corpo tinha,
para fazer o melhor que sei por mim, tendo em conta a nova realidade. Fiz mais:
usei - e uso - isto tudo para poder fazer alguma diferença na vida de quem me
rodeia. Mas daí a ter percebido, calma, porque vai uma longa distância.
Partilhei com esta amiga a minha
dúvida. Prometemos voltar ao tema com tempo, mas perceber? Perceber exige de mim um longo
caminho que ainda me sinto a percorrer.
Até lá, et pardon my french, às vezes é só isto:
Olá Marta, esta é das tais frases que a mim também não me fazem engolir. :)
ResponderEliminarA título pessoal até andámos (eu e mais uns poucos) com ideias de se montar uma tertúlia para debate livre, apenas pq sim, e apenas pq apetece falar de coisas que nos tocam, mas de uma forma serena, mesmo não aceitando pontos de vista, pelo menos escutá-los.
Enfim Marta gostei do post. É bom puxar pela nossa massa crítica. :)
Abraço,
bruno
Olá Marta. Apenas hoje tive conhecimento do teu blog, através do Consigo da RTP2. Também fui brindada com uma paraplegia, embora mais recentemente e muito mais velha que tu. Estou contigo nalguns dos teus sentires. Obrigada por partilhares. Li, logo após a minha doença, que a escrita é a melhor cura. Acredito que sim e penso que este blog muito contribuirá para a tua felicidade. Queria, porém, afiançar-te que as tuas palavras enriquecem este universo da net e, em particular, os que, como eu, partilhamos contigo a experiência de viver de uma forma diferente mas buscando, sempre, a felicidade possível. Quanto a Deus... olha: continuamos a fazer o nosso papel, que fará o dele... Continua a lutar e a felicidade virá! mais não seja pelo prazer de conseguires ultrapassar, um a um, os obstáculos que vão surgindo. Beijinhos.
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