Estás aqui ao meu
lado. Ressonas como um porco. De vez em quando abres os olhos para te
certificares de que não me fui embora. Espreguiças-te enquanto juntas as patas da
frente. Pareces um bebé. Apetece-me apertar-te e não resisto. Baixo-me, faço-te
uma festa na beiçola e dou-te um beijo no focinho. Nem abres os olhos. Respiras
fundo. Confias.
Volto ao dia em
que soube que ias fazer parte desta família.
Tínhamos perdido
o Gaspar há 3 anos e comentávamos várias vezes que ainda não nos sentíamos com coragem
para abrir as portas do nosso coração a outro cão. Mas, naquele dia, isto
mudou. E tu foste o responsável.
Véspera de Natal.
Entre bolos, loiças e faqueiros que só usamos em dias de festa, tocou-me o
telefone. Era o Luís, colega da mana (tua mãe).
“É para te dizer
que o Ricardo está neste momento a ir buscar 2 bulldogs franceses. Um é para
ele, o outro é para a tua irmã. Decidimos juntar a equipa toda e oferecer-lhe
um.”
(Fiquei em silêncio.)
“Estou? Estás a ouvir-me?”, disse o Luís.
Quando consegui
articular uma palavra, respondi: “Desculpa, mas não. Não faz nenhum sentido
tomarem essa decisão sozinhos. Eu sei que a mana adorava ter um cão dessa raça,
mas sabem melhor que ninguém que ela trabalha de manhã à noite, e ter um cão neste
momento não vai ter apenas impacto na vida da Patrícia!”
Disse isto quase
a espumar da boca. Foi a vez do Luís ficar sem saber o que dizer. E acrescentei,
tentando manter-me calma e sem grandes alterações ao nível da minha voz: “Falem, sff, com a
Patrícia antes de avançarem, não a surpreendam com isto. Ela falará naturalmente
connosco antes de tomar uma decisão.” E, friamente, desliguei o telefone.
Percebi que tinha deixado o Luís aflito, mas não podia fazer nada.
Voltei aos tachos
e às panelas, mas o meu coração tinha ficado preso àquele telefonema e não ia
voltar à cozinha tão cedo. Já não conseguia pensar no raio dos bolos nem no
bacalhau. A minha mãe (tua avó) assistiu à conversa e ficou igualmente sem
saber bem para que lado se virar.
A vontade de
voltar a aumentar a família – porque é isso que, vocês, os nossos cães sempre
foram – era grande mas também sabíamos que 1) a perda do Gaspar (o teu tio) ainda
nos doía e 2) já nos tínhamos habituado à liberdade e despreocupação que quem
não tem cães sente.
A meio da tarde a
minha irmã e a Carlota (tua irmã) chegam a casa para ajudar na preparação da
ceia de Natal. A Carlota foi para a sala, a Patrícia juntou-se a nós na
cozinha. Ainda tentei não a olhar nos olhos mas cruzava-me sempre com os da tua
avó, quase tão atrapalhada como que eu com o assunto. Somos todas demasiado
transparentes, por isso foi impossível esperar que os colegas da tua mãe lhe
ligassem. Expliquei o que se tinha acabado de passar, percebi que a minha
opinião a deixava de rastos. Tentei ignorar mostrando firmeza. Nesta altura já
a Carlota se tinha apercebido de tudo e suplicava para que aceitássemos “o
presente”.
Senti que estava
a perder força. “Mais firmeza, Marta, mais firmeza!” e enfiei-me (vá, escondi-me!)
na casa de banho a secar o cabelo. Percebi que elas tinham ficado as 3 na sala a
conversar sobre ti. 10 minutos depois entraram-me na casa de banho e voltaram a
pedir-me para me juntar a elas na decisão. Desatei a chorar. Lembrei-me do
Gaspar e dos 10 maravilhosos anos que vivi com ele. E, principalmente do
sofrimento dos seus últimos momentos.
Mas o meu coração
cedeu quando me mostraram uma fotografia tua. Mínimo, acabadinho de nascer. E
lá se foi a firmeza com o caraças. Naquele momento a decisão ficou tomada. Tu irias
entrar na nossa família. Mais do que isso, irias entrar na nossa família
naquele momento: a minha irmã saiu disparada para te ir buscar. O teu primeiro
dia nas nossas vidas seria, assim, naquela véspera de Natal. Foste “o nosso
menino Jesus”.
9 meses depois
fazes parte de tudo. Ganhaste uma família que voltou a reorganizar-se para que
nada te faltasse.
És um
companheirão. Vens connosco para todo o lado. E, se “os animais são proibidos”,
continuamos à procura de um lugar onde não te resumam a um sinal redondo vermelho
e branco com uma risca por cima. E, se não encontrarmos, não vamos e fica
resolvido. Porque nenhum de nós alguma vez ficou para trás. E tu, Chico, agora és
um de nós.
O mundo dedica-te
o dia de hoje. Mas prometo-te que nós vamos dedicar-te os outros 364. Para
sempre.
Um beijo da tia.
(mas vê lá se
cresces e paras de me roer as pantufas, de sacar a roupa do estendal para comeres
as molas, de puxar o rolo de papel higiénico para depois o comeres também, e de
desatares a ladrar quando não te dão atenção)
É amor :) fizeram bem em ficar com ele. São tão bons
ResponderEliminar:) :) <3
Eliminarok... estou derretido. Obrigado Marta pela partilha e pormenor com que o fazes, parece que te ouço.
ResponderEliminarO Unknown sou eu o Luis Vieira lol
Eliminar:)
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