Se há coisa que me lixa
é a enorme falta de solidariedade entre o ser humano e a total incapacidade de
se colocar “nos pés dos outros”.
Nasci e cresci em
Lisboa, no Bairro de Alvalade. Aos 15 anos, fiquei de cadeira de rodas. Dos 15
aos 25 vivi numa casa onde não entrava a minha cadeira. Mesmo. Dos 15 aos 25
andei ao colo de familiares e amigos, que nunca me deixaram para trás, só
porque a minha cidade não estava preparada para me receber.
Aos 25 mudei-me para fora
de Lisboa por várias razões, mas pesou muito na decisão o facto de não haver
oferta de casas adaptadas para as minhas necessidades a um preço que eu
conseguisse pagar. Optei pela margem sul do nosso Tejo, onde encontrei o que
procurava e acabei por juntar o útil ao agradável: uma casa perto do mar que cumpre o que preciso para ser autónoma. No entanto, o meu local de trabalho continua
a ser na cidade onde nasci.
Há 25 anos que não sei
o que é poder fazer um passeio sozinha por Lisboa. Há 25 anos que planeio cada
milímetro do que vou fazer, para não ter surpresas. Há 25 anos que me sinto
cidadã de segunda, apesar de descontar e cumprir tanto ou mais que uma de
primeira.
Por isso, só vou dizer
isto mais uma vez: se ainda não perceberam a importância de mudar os passeios de
Lisboa, é porque não querem.
A calçada portuguesa,
mesmo mantida, não serve. Porque é por natureza irregular, essa irregularidade causa instabilidade, e
escorrega. É perigosa para quem se desloca de cadeira, para um invisual, para uma grávida,
para um carrinho de bebé, para um velhote (e sabemos que há cada vez mais…). Até
para quem não tem qualquer limitação, que a única coisa que não quer é espalhar-se e partir uma perna ou torcer um pé.
Qual é a parte desta realidade que não conseguem entender?
Qual é a parte desta realidade que não conseguem entender?
Percebam que o desporto
mais radical que posso praticar não é asa delta ou rafting, mas sim sair de
casa e aventurar-me a rolar nos passeios lisboetas com a minha cadeira de rodas.
Percebam que quando o faço, as minhas pernas saltam do pedal que as suporta e
as rodas pequenas encalham ao mais pequeno desnível. E o que é que acontece?
Caio e magoo-me. Conseguem sentar-se,
mesmo que mentalmente, na minha cadeira e passar por isto? Chama-se empatia e não é mais do que a maravilhosa
capacidade de nos colocarmos nos sapatos dos outros, para perceber o que eles sentem. Será que só calçando os meus sapatos, neste caso só experimentando sentarem-se na
minha cadeira e “ficarem” paraplégicos, vão entender verdadeiramente o tema?
E o argumento de que é
um ataque ao património, à história é, no mínimo, infeliz. Porque eu também
faço parte da história da minha cidade e pouco ou nada usufruo daquilo que ela tem
para me oferecer. E depois, quando finalmente ganho esperança de que isso
vá acontecer, aparecem-me os Velhos do Restelo. Ponho-me no lugar deles e
não consigo. Porque não consigo perceber como é que se escolhe história quando está em causa a igualdade entre todos os cidadãos. Aquela pela qual eu desespero todos os dias.
Já agora, não caiam na
asneira de defender apenas zonas específicas em piso liso. Não estão a incluir,
estão apenas a integrar. Porque incluir significa que o passeio deve existir
para todos. E integrar é destinar uma zona para quem tem necessidades
diferentes das vossas. Vocês de um lado, nós, do outro. Para além de que sabemos
que depois acabam todos por preferir andar no “nosso” lado, porque sentem que é
mais “confortável” e menos perigoso. Enfim.
Finalmente, vejo uma cidade que se começa a preocupar com a qualidade de vida de todos (incluindo com a das pessoas com mobilidade reduzida), e há quem se insurja chamando-lhe "ditadura do betão"? Ganhem juízo. E não contem comigo para chorar pelas pedras da calçada.
Excelente Marta. Bj
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