Engraçado, sempre a tratei por mana, ela sempre me tratou pelo nome. Coisas
de irmãs mais novas, temos 18 meses de diferença.
Quando nasci, ainda na maternidade, pregou-se ao meu berço com uma espécie
de cola tudo, e não deixou que ninguém se aproximasse.
Mais tarde, mas pouco mais, conta a mãe que, durante um jantar de amigos em
casa, foi ao quarto, agarrou-me por baixo dos braços, virou-me para a frente e apareceu
no meio da sala comigo ao colo.
Pela idade, entrava nas escolas sempre um ano antes de mim. Popular,
preparava-me o terreno. Era a “irmã da Patrícia” e isso dava-me um estatuto
superior e uma vantagem à partida.
Tínhamos muitos amigos, uns em comum, outros não, mas eramos a melhor amiga
uma da outra. E não por termos os mesmos gostos, porque eramos muito
diferentes. Ela, uma desportista. Eu, nem por isso. Saltava ao elástico como
ninguém. Eu, “enrolava-me ao elástico”. Ao fim de semana, o nosso pai pegava em
nós e levava-nos a ver jogos de futebol entre equipas pequenas, de 3ª divisão, em
campos em que a terra era batida e sem bancadas. Ela ia feliz, eu ia porque
sim. Vestidas de igual, quase sempre de cores diferentes.
Lá no bairro chamavam-nos as “irmãs Metralha”. Não foram poucas as vezes
que os vizinhos se queixaram à mãe, assim que a apanhavam a entrar na rua, ao
fim do dia. Ou eram as corridas em casa que rebentavam com os candeeiros do
teto da pobre da D. Leonor, ou ideias mais criativas como atar os cintos dos “robes”
que a avó Olinda nos dava todos os Natais – que comprava na banca da amiga que
tinha no Mercado de Alvalade, para nós, irmãs Metralha, "a Nariguda" -, prendê-los à maçaneta da
porta do Sr. Amaro e da D. Susana (2ª direito e 2ª esquerdo, respetivamente), tocar
às campaínhas ao mesmo tempo, pisgando-nos de seguida. As portas, claro está,
não abriam. E nós delirávamos com o cenário. Ao fim do dia era certinho: queixa à mãe Teresa.
E assim vivemos a infância e a pré-adolescência, sempre à procura de "novas
vítimas".
Aos 15 a vida trava a fundo. Sai de pista, bate no raile, amolga-se, mas
volta ao sítio. E nós sempre ao lado uma da outra. A partir dali, de duas
passámos a uma.
Aos 29, nova travagem da vida. Desta vez, derrapa, capota várias vezes. Não comeu, emagreceu, passou os dias que se seguiram numa
espécie de stand by interior, à espera de voltar a poder carregar no play. Mas nós, sempre ao lado uma da outra.
Hoje assobio o “nosso assobio”, ela vem à varanda, do outro lado da rua, e
eu digo “traz-me o casaco verde e o anel das pedras!”. Ela vai à rua com o
Chico, assobia o “nosso assobio”, eu apareço na varanda e fico a vê-los a
entrar no pinhal.
O plano é envelhecermos as duas, marretas. Quem sabe em Alvalade. O bairro
que nos viu crescer será o que nos verá morrer. Ela velha seca, eu velha gorda,
mas felizes. E juntas.
Feliz Dia dos Irmãos, mana. <3
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