2 de setembro de 2017

Por falar em discriminação

“Peço desculpa, mas só a podemos levar ao banho até às 11h30”, ordens da Polícia Marítima, acrescentou.

Encolheu os ombros, como quem me quer dizer que não concorda, mas pediu-me para perceber que não podia ir contra as regras. “Depois chateiam-me a cabeça, como já aconteceu, quando me viram dentro de água depois dessa hora…”

Naquela praia há 4 Nadadores-Salvadores. Almoçam entre as 11h30 e as 13h30, aos pares. E, durante essas 2 horas, os banhistas com mobilidade reduzida que dependem da ajuda deles para poderem ir para dentro de água, aguentam-se à bronca (e ao sol) e esperam. “Eles dizem que se estivermos focados em vocês, não damos atenção a mais ninguém.” Solução? Simples: deixar-nos à torra durante as horas de maior calor, enquanto todos os outros se movimentam como, quando e se quiserem. É justo.

As minhas entranhas – sensíveis à ignorância humana, como é sabido – deram 32 voltas cá dentro. Tentei não perder o tino e descambar numa belíssima peixeirada na tão bem frequentada praia de Vilamoura. E consegui, porque sabia que aqueles miúdos pouca ou nenhuma responsabilidade tinham.

Com jeito, lá consegui tomar o meu último banho entre as 11h30 e as 12h, e ainda com mais jeito, lá consegui "furar as regras" e que um tiralô que estava há 1 ano parado em frente à porta da enfermaria, sem nunca ter sido usado (!!!), me servisse de “espreguiçadeira” e me permitisse ficar sentada nele e à beira mar.


Até a história deste tiralô é curiosa. A praia tem um que é utilizado diariamente para levar até ao mar os banhistas com mobilidade reduzida que a frequentam. Está todo estragado, devido ao uso e, acima de tudo, à falta de manutenção. E depois tem outro, o tal que estava parado à porta da enfermaria, disseram-me que desde que foi entregue pela Secretaria de Estado da Inclusão à praia, em 2016, como prémio de Praia Mais Acessível. Quando perguntei a razão, disseram-me que aquele não era próprio para ir ao mar. Expliquei-lhes que estavam enganados, que era diferente do outro mas que também podia molhar-se. De nada serviu, mas lá consegui que me deixassem – pelo menos – utilizá-lo para poder estar à beira mar, onde sempre corria uma brisa mais fresca do que aquela que se fazia sentir lá em cima, nos chapéus que nos destinam, logo na entrada da praia. Que já agora são 3, seguidinhos. Ou seja, se vão 4 pessoas com necessidades especiais para a praia, 1 tem que se ir embora porque já não tem lugar… e as outras 3 ficam todas juntinhas. Gosto tanto disto.

Já agora, também estes chapéus estão mal posicionados. O requisito “de cumprimento obrigatório” para ser “Praia Acessível” é, e passo a citar o que vem no Programa, “que a mesma tenha uma rede de percursos pedonais acessíveis na praia, totalmente livre de obstáculos e de interrupções, que incluirá passadeiras no areal, sempre que este exista, e, nos restantes casos, um percurso pavimentado, firme e contínuo.(…) Esta rede de percursos acessíveis conduzirá necessariamente à zona de banhos de sol (chapéus de sol, toldos, barracas) e o mais próximo possível da água.” Meus senhores, à entrada da praia não é “o mais próximo do mar possível”. É exatamente o oposto. Pior que isto só se for no parque de estacionamento! 

Durante os meus dias de férias a sul, safou-me o facto de só ir à praia de manhã, reservando a tarde para piscina, e a simpatia dos Nadadores-Salvadores, que me ajudaram sempre que pedi. Agradeci-lhes os banhos seguidos, mas não consigo ficar satisfeita com as soluções que o Estado encontrou para tornar a minha ida à praia mais inclusiva.

De há uns anos para cá tem havido um esforço para dignificar a coisa, mas sem resultados claros, serve de pouco. E não, não esperem que eu diga “pelo menos já há alguma coisa feita”, como já ouvi de pessoas que, como eu, têm este tipo de necessidades, que se contentam com praias "quase acessíveis" e outras "quase-quase-e-o-resto-dá-se-um-jeitinho-haja-boa-vontade".

É que entre uma rampa mal feita ou ela nem existir, prefiro que não exista. Primeiro porque uma rampa com a inclinação errada torna-se perigosa para mim, depois porque quem fez uma rampa dessas não a fez a pensar em mim. Fê-la para calar bocas. Mas a minha não calará.