23 de fevereiro de 2017

Ter tempo.

“Às 8h já estou no pc, tento fazer uma pausa às 13h, para almoço, regresso 30 minutos depois, e só volto a parar lá para as 19h.”

Perdi a conta às vezes em que disse isto. Não deixava de ser verdade mas, fazê-lo, era uma espécie de necessidade de provar aos outros que trabalhava mais em casa do que quando ia à empresa.

Passaram-se 12 anos, desde que, por questões de saúde tive que optar por este método de trabalho. Foi numa altura de viragem da minha vida em que, depois de ter estado quase a sair de pista com uma septicémia, decidi “passar-me” para primeiro lugar, o que, naquele caso, implicou não passar quase 16 horas por dia sentada na minha cadeira e começar a trabalhar de casa.

Pouco ou nada me fazia sair de frente do pc. Pouco ou nada me desfocava. Nem o barulho do aspirador que vinha lá de fora, quando a Lucy limpava a sala para só depois passar para o meu quarto.

E foi assim por muito tempo. Mas há pouco mais de 2 anos, a coisa mudou.

Não sei explicar porquê, mas passou a ser importante para mim poder desligar o “piloto automático” e fazer pausas durante as horas de trabalho. Parar para ler 2 páginas do meu livro. Parar para acabar de ver aquela série que sigo. Para saltar para a cadeira enquanto aumento o som daquela música e dançar que nem uma maluca. Ou parar apenas para ir à varanda e ficar ali por alguns minutos. Os textos que ficaram por escrever ou rever podiam esperar. O email de resposta que ficou a meio também. Que tivessem calma, que eu já voltaria, sim?

E fi-lo. Sem a preocupação de estar a tirar tempo à empresa. Sem espaço para sentimentos de culpa. Com a certeza de que aquilo me fazia bem, passei depois à fase de o fazer sem qualquer pudor em dizê-lo em voz alta. Mais: sugerindo aos outros que fizessem o mesmo. Seriam mais produtivos, mais focados no que é verdadeiramente importante, mais conscientes das reais necessidades dos seus clientes. Seriam, como eu passei a ser, tão, mas tão mais felizes.

E o curioso é que, depois de ter tomado esta consciência em casa, passei a fazê-lo na empresa. Não tenho a minha varanda para ir nem páro para ler o meu livro. Mas, sempre que posso, ponho o trabalho em pausa para circular pela empresa e dar um “olá” aos que nem sempre vejo. Para os ouvir dizer que estão bem, para lhes dizer que também estou. Para soltar a uma gargalhada sem me preocupar se ela ecoa nos corredores.

Feita esta desaceleração, retomo a velocidade que me caracteriza, algumas vezes quase irritante.

Hoje trabalhei de casa. A meio da manhã recebi um telefonema de uma jornalista que conheço há mais de 10 anos. Falámos de trabalho, mas rapidamente a conversa passou para o plano pessoal.

Também ela trabalha de casa, mas há pouco tempo. Ainda está na fase “non stop”. Não pára para fazer uma máquina de roupa…quanto mais para ler umas páginas do livro preferido. Sugeri que experimentasse fazê-lo. Acho que ela me ouviu.

A vida já me ensinou umas quantas coisas. E uma delas é que se é certo que o tempo não pára, mais certo é que sou eu que decido o que faço com ele.


11 de fevereiro de 2017

Eu quero.




"O que é que tu não podes fazer agora que estás de cadeira de rodas?"

Perguntaram-me isto há uns dias, depois de uma palestra em que a ideia era partilhar a minha história em 10 minutos.

Pensei uns segundos e, porra, não conseguia lembrar-me de nada. Perante uma plateia atenta, saiu-me a resposta “subir escadas.” E rematei com um “mas subo rampas como ninguém”, seguido de uma gargalhada.

Na altura aquilo pareceu-me parvo e pensei “que bela figurinha, Marta Canário”, mas a verdade era aquela. E, mesmo que pense mais do que uns segundos, não me ocorre mais nada que eu não possa fazer, por estar de cadeira.

Hoje, por exemplo. 

Acordei, olhei para o meu quarto e pensei “hum...aqueles móveis ficavam melhor se os trocasse de lugar um com o outro”. Até aqui tudo bem, queria mudar a disposição daquilo, bastava-me um “Mãããe, anda cá ajudar-me!” E ela vinha. 

Pois, mas hoje não há mãe em casa, foi trabalhar. 

Estava sozinha.

Deixei de mudar o raio dos móveis? Não. Fiz por fases. 

Primeiro, tirei tudo o que estava em cima deles e que podia cair. Depois, arrastei um, devagar, empurrei-o com a força que tenho de braços – e tenho muita -, tranquei-o contra os pedais da cadeira e dei às rooodaaaaas. Dasse! Centímetro a centímetro, desloquei-o até à outra ponta do quarto. Caminho aberto para o outro, fiz o mesmo: centímetro e centímetro, parando aqui e ali para ganhar fôlego, arrasta, arrasta, só mais um bocadinho e...já está! Os móveis ficaram exatamente como eu queria. Feito. Siga.

E a palavra é mesmo esta: querer. Se não é de uma forma é de outra. Se não é mais fácil é mais difícil. Se não é de seguida, é por etapas. Mas não fazer “por estar de cadeira de rodas”?

Para além da questão das escadas, não me ocorre mais nada, sinceramente.