29 de março de 2013

Ai Portugal, Portugal...

O meu país está “de pernas para o ar”. E a solução não passa por simplesmente pegar nele e pô-lo direito. Ou apenas aconchega-lo nas minhas mãos, trazê-lo para junto do meu peito e dizer-lhe: “vá, tem calma que isto vai passar.”

Até eu tenho dias em que me apetece deixar tudo para trás. Pegar nas pessoas que mais gosto e sair daqui. Mas acredito que isto passe pela cabeça de tantos...Pelo menos algumas vezes na vida. E hoje mais do que nunca.

Não sei se é da falta de sol que não consegue furar as nuvens e a chuva mas, nos últimos dias, era o que fazia. Pegava na trouxinha e desaparecia. A gaita é que não tenho essa coragem. E depois – muito importante - sinto que o meu país precisa mais de mim aqui que lá fora. Ou que os que ficam precisam mais de mim aqui do que longe.
Mas aguentar não é para todos. Quando diariamente, nos media, nos cafés, nos corredores, em todo o lado, o tema é sempre o mesmo. Crise, crise, crise. Já não há boas notícias. E quando elas existem, não se espalham. Porque não vendem. Incrivelmente por isso.

Desespero é olhar para o lado – e agora é mesmo isto, olhar para o lado - e ver uma montanha gigante de gente a sofrer. Gente que de repente deixou de ter dinheiro para pagar contas, para comer. Que teve que emigrar e largar a família para trás. Deixar cá metade do seu coração. Para muitos, a metade mais importante. Que, sempre que se despede, morre um bocadinho por dentro. E vá lá que ainda vai havendo quem têm a oportunidade de emigrar. Porque outros há que nem isso podem fazer e que se limitam a viver na miséria.
Nunca as instituições de solidariedade tiveram tantas pessoas a pedir ajuda. Pessoas que antes tinham uma vida equilibrada. Não de luxo, mas equilibrada. E que agora fazem parte dos chamados “novos-pobres”. Há uns anos atrás havia os “novos-ricos”, hoje há os “novos-pobres”. Um número que dispara todos os dias.
Depois ligamos as televisões, os jornais, e as notícias desmotivam qualquer um. Governantes que não se entendem, que mentem. Que se digladiam aos olhos de todos. Mais austeridade, mais cortes, mais pobreza, mais miséria. Mais desemprego. E nada indica que a coisa melhores nos próximos tempos. Como consequência, o desespero e o aumento daqueles que perdem a cabeça e que, pensando não ter saída, decidem parar de sofrer e acabam com as suas vidas. Muitas vezes também com as dos outros.

E algo que tanto me angustia: até o número dos divórcios diminui pelas piores razões... Com esta p _ _ _ desta crise, as pessoas desistem até da felicidade. Preferem aguentar um casamento de fachada, um amor que já deixou de ser, simplesmente porque dependem do outro, porque sozinhas não conseguem fazer face às despesas. Desistir de ser feliz devia ser proibido.
Todo este cenário arrasta consigo também o aumento dos números da violência doméstica que, desde o início do ano, já ceifou dezenas de vidas. E, atenção, passaram-se apenas três meses.

E o mundo vai-se degradando.
 
Como uma vez disse o grande escrito italiano, Cesare Pavese, “só uma doença nos revela as profundezas funcionais do nosso corpo. Do mesmo modo, pressentimos as do espírito quando estamos em crise.”
E o nosso espírito, a nossa alma sente-se tentada a desistir. E quando isso acontece, é o fim.

Infelizmente não tenho uma solução...No limite, tenho um conselho. Um pedido.
 
 
Agarrem-se às coisas boas da vida. À família, à saúde, aos amigos. A viver um dia de cada vez. A nunca desistir. A nunca se renderam. A lutarem. A terem fé que as coisas vão melhorar. A arranjarem força para enfrentar esta tormenta. Sempre de mãos dadas com quem mais gostam e que partilhem convosco a vontade de vencer.

A história de Portugal é a prova de que os Portugueses são um povo lutador. Destemido. Que, como mais ninguém, há centenas de anos atrás se enfiou em caravelas toscas e enfrentou mares desconhecidos. Descobriu o mundo. Literalmente.
 
Munamo-nos então da coragem de Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, Bartolomeu Dias, Fernão de Magalhães, Gil Eanes e Diogo Cão, e agarremos o touro pelos cornos.

Lembrem-se: Portugal e os Portugueses nunca desistem. E eu acredito mesmo nisto. Por favor, por vocês, por todos nós, acreditem também.

28 de março de 2013

Gostar que gostem de nós.

Têm sido dias tramados estes últimos. Daí a minha ausência.

Dias em que não tenho tido tempo para as coisas e pessoas que realmente gosto. Tempo de qualidade. Tempo em que a minha alma está com essas pessoas e não apenas o meu corpo.
Sinto falta disso. Porque não sei viver sem isso.

Têm  mesmo sido dias tramados. Muito trabalho. Algum que gosto, outro nem por isso. Mas, tendo em conta o momento que o nosso país passa, só posso agradecer ter.
Depois, trabalho reconhecido e trabalho menos reconhecido. O segundo modelo entristece-me mas também me motiva. De uma maneira diferente do primeiro, é certo, mas motiva. Porque me irrita. E quando eu me irrito, nem sei bem explicar porquê, ganho mais força. Mais vontade de mostrar que sou capaz.

Claro que há alturas em que este tipo de auto-motivação não é imediato. Mas tento parar, respirar, pensar e analisar a situação. Friamente. Preparo o corpo mas também a alma. E vou com tudo. Contra todos, se for necessário. Ou, pelo menos, contra os que for preciso.
E depois agarro-me muito ao trabalho reconhecido. Ao que faço de melhor e que é notado. Sim, gosto que notem. Algum problema? Gosto de ser mimada. Gosto da palmadinha nas costas. Pois gosto! Aliás, quem não gosta?
 
Em tempos, tive alguém hierarqucamente superior a mim que, estando de saída da empresa para novos desafios, me perguntou se eu tinha gostado do seu estilo de liderança. De trabalhar com ela. Naquele momento lembrei-me da sua falta de apoio. Da falta do tal “mimo”. Da falta da palmadinha nas costas. E disse-lhe. “Nada contra ti, mas precisas de saber reconhecer. Agradecer. Motivar. Isso é saber liderar. Por isso, e respondendo à tua pergunta, não, não gostei.” Hoje somos amigos. Amigos profissionais, mas amigos. E acho que o facto de ter sido sincera, ajudou.

Estes foram também dias em que me ensinaram a tentar mostrar a quem de direito e sempre que necessário, que espero reconhecimento, que preciso dele para continuar a lutar. Mas virando o bico ao prego.“Põe a questão ao contrário. Não ataques. Não te queixes. Diz que o problema está em ti. Que precisas desse alimento. É muito provável que essa pessoa não se tenha apercebido disso e que só precise de um alerta.” Aquilo ficou-me na cabeça. “És capaz de ter razão”, respondi. E um dia, quando a oportunidade surgir, vou fazê-lo.
Para além disto, foram dias em que também me surpreenderam com uma informação que me intrigou. Vá, confesso que magoou um bocadinho. Foi saber que alguém - ok, que já não trabalha comigo, mas que trabalhou durante alguns anos - na altura me “odiava”. Bolas… Aquilo apanhou-me de surpresa. ”Odiava”? Mas “odeia-se” assim alguém com quem pouca ligação se tenha, ou com quem se tem apenas uma relação profissional? Pelos vistos que há quem ache que sim.

Que “não vão com a minha cara”, que não gostem do meu feitio, ou do facto de ter dias em que estou mais "espaçosa", barulhenta, bruta, até posso entender. Afinal não conseguimos agradar a todos. Mas…”odiar”…? C`um caraças. Desta não esperava.

Claro que sei o porquê. Entre outros, terá tido a ver com o facto de ousado dizer não a uma questão de trabalho que, como profissional que sou, não deixei passar e travei.

No entanto, tenho consciência de que travei de forma certa e, acima de tudo, fundamentada. Mas, para essa pessoa, “confrontei”. E há quem não admita ser confrontado. Mas nem este episódio que, apesar de não ter esquecido fechei numa gaveta, era razão para um sentimento tão forte. E mau. E pobre.

Bem sei que devemos dar importância apenas às pessoas relevantes para nós. É o que sinto e foi o que ouvi de quem tem por mim algum apreço e acabou por saber deste caso. Mas isto de me “odiarem”, intrigou-me. E, como disse lá em cima, magoou-me um piquinho.
Há uns anos atrás ia gostar de ter quem de mim não gostasse. Mas a idade avança, a experiência pesa e hoje preferia passar mais despercebida.

Porque gosto que gostem de mim. Mas a vida é mesmo assim. E, se já sobrevivi a tanto, sobrevivo facilmente a isto. Com alguma mágoa e com algumas marcas, mas sobrevivo.
 

21 de março de 2013

Don`t be happy! Be very fucking happy!

Hoje é o Dia Mundial da Felicidade. Definido pela ONU. Mas também podia ter sido definido por mim, que gosto do tema. E é importante.

Por isso vou armar-me em guru e falar de felicidade. Começando por perguntar: o que é, afinal, a felicidade?

Para alguns é ter dinheiro ou fama, para outros, basta saúde. Saúde, paz de espírito. Tranquilidade. É nesta equipa que eu jogo.
Deitar a cabeça na almofada e conseguirmos dormir por não ter nada que nos pese na consciência. Pessoalmente, nada me deixa tão feliz.
Saber que temos amigos, daqueles que se preocupam connosco. Sem merdas. De verdade. Daqueles que nos conhecem bem e sabem que, por muito tempo que passemos sem nada lhes dizermos, quando precisam estamos lá. E o contrário também.

Ter uma família que pára tudo para nos ajudar sempre que precisamos. E por quem paramos tudo para fazer o mesmo. Sem nos apercebermos sequer que parámos. Sem queixas. Só porque é assim que tem ser.

É conseguir dormir as horas que o corpo pede. Acordar de manhã e estar sol. Mas também ver que chove. No fundo, acordar. Quer dizer que a vida nos brindou com mais um dia.
É lembrarmo-nos de um sonho bom quando acordamos. Tim-tim por tim-tim.

Para mim é ainda sonhar a cores. E que ando. Também gosto. E acontece-me com frequência. Mato saudades.

É ter objectivos. E fazer o possível para os alcançar.

É ter coragem para dizer não quando o nosso coração nos segreda que aquilo não é para nós. Na vida pessoal e na profissional.

É olhar para trás e ver que mudámos para melhor. Que já não cometemos os mesmos erros. Que evoluímos.

É nunca perder a esperança. Acreditar sempre. Principalmente em nós e nas nossas capacidades.

Mas também é pormo-nos a jeito para que as oportunidades surjam. E, quando isso acontece, conseguir agarrá-las com a toda a força do nosso corpo. E, se precisarmos de mais um corpo para ajudar a agarrá-las, ter onde o ir buscar.
É ir trabalhar com a sensação de que a coisa nos vai correr bem. E a coisa correr melhor ainda. Depois chegarmos a casa e contar. Ter a quem contar. Ter quem nos oiça.

É conseguir fazer a diferença na vida de alguém. Nem que seja arrancar-lhe um sorriso num momento mais delicado. Mesmo que pequenino. Um “vá, dentinho, quero ver esse dentinho!”

É ter a capacidade, não apenas de ver, mas de observar e absorver o que nos rodeia. No meu caso, de imaginar, criar histórias à volta de quase tudo. Inventar, se necessário for.

É surpreendermo-nos todos os dias pela positiva. Nem que seja só por um bocadinho..

Aliás, ser feliz é isso mesmo, ter momentos felizes. E saber encontrar e reconhecer a felicidade em todos os minutos do nosso dia.

Porque a verdade é que ninguém é sempre feliz. Mas também ninguém é sempre infeliz.  E quem diz o contrário, mente.

Todos nós temos dias melhores e dias piores. Mas temos que nos esforçar para fazer com que o peso dos melhores, no fim do dia, seja muito, mas muito maior. E somos nós, a nossa cabeça em particular, que controla e comanda esta balança.

Porque acredito que há sempre duas formas de encarar um problema: com força, de frente e com coragem ou sem elas. Há sempre dois caminhos. O “a direito” e o “às curvas”. E, por vezes, vale mais ir fazendo uns "ésses", mas com calma, do que querer ir logo a direito, a abrir, e não ter a certeza de que aquele é o caminho que nos traz felicidade.

No fundo, ser feliz é ser livre. É ter as asas escondidas e, sempre que nos apetecer, fechar os olhos, abri-las e voar.
É estar vivo. É “saber o que se quer e querê-lo apaixonadamente."

Por isso, é simples: sejam felizes. Ou melhor: queiram ser felizes! Porque se não quiserem, nada feito...!

16 de março de 2013

Amizade em estado puro.

Ontem, por momentos, o meu coração ficou do tamanho de uma azeitona.

Lá fora estava um sol maravilhoso e decidi aproveitar a minha hora de almoço para ir até à varanda ler um livro.

Ao longe, começo a ouvir o som de pássaros a aproximarem-se.

Olho para o céu e vejo dois melros a rasarem as varandas dos prédios vizinhos. Pareciam crianças a divertirem-se quando fazem pequenos disparates. Mas pareciam fazê-lo a dançar. E os sons que emitiam… pareciam estranhamente coordenados. Desconfio que cantavam. Bom, iam felizes. Disso tenho a certeza.

De repente, naquele voo brincalhão, um deles distrai-se e embate com força - com tanta força… - contra o prédio em frente do meu. E cai no chão.

E eu a ver aquilo tudo. Nem queria acreditar.

Ali estava aquele pássaro, lindo, preto e de bico amarelo-torrado, no chão. Parado. Só mexia a cabeça. Magoado.

Nisto vejo o outro a voltar atrás. Aproxima-se devagarinho do amigo. Rodeia-o sem nunca lhe tocar. Depois abre as asas, em jeito de ritual, e faz uma espécie de dança à sua volta.

E eu sempre ali, a ver aquilo tudo...Sem perceber muito bem o que se passava, mas com a certeza de que aqueles movimentos tinham a ver com o sofrimento do companheiro.


Nesta altura passa o autocarro e o barulho do motor assusta o melro, que foge em direcção ao pinhal. E pousa num grande pinheiro. Mas não num pinheiro qualquer. Daquele podia ver de longe o amigo. Esse, magoado, permaneceu quieto. No passeio. Enroscado.

Passa um ciclista que pára, olha para o passarinho. Cá de cima tento explicar o que se tinha passado e pergunto como ele está. Responde-me de forma desinteressada que lhe parece apenas atordoado. E seguiu o seu caminho sem mais se preocupar. Nem olhou para trás. Nem para mim. Não percebo como conseguiu fazê-lo vendo o pássaro a sofrer, mas seguiu.

Passaram-se 20 ou 30 minutos e eu sempre com a esperança que ele acabasse por voar. Mas nada. Pensei "não deve haver nada a fazer. O bicho magoou-se e, sem a ajuda de alguém, vai mesmo acabar por morrer."

Eis que passam duas senhoras e reparam nele. "Olha...coitadinho...” disse uma delas. Mas, quando se aproxima um pouco mais, e sem que ninguém esperasse, o merlo ganha novamente força e faz um voo rápido até pinheiro onde estava o amigo. Que durante todo este tempo o esteve a observar. De longe mas a observar. Depois desaparecem juntos, por entre o verde da copa das árvores.


Respirei fundo. Respirei de alívio. Aliás, acho que aí sim, voltei a respirar de jeito.

Vim para dentro e pensei "safou-se". E deu-me um ataque de choro.

Ver aquele animal ali, sozinho, a sofrer, quebrou-me o coração. E ver a reacção do companheiro de voo, de aventura, do amigo, que nunca se afastou, emocionou-me.

Primeiro amaldiçoei o facto de ter ido à varanda àquela hora. Naquele momento. Mas acabei por agradecer tê-lo feito. Porque percebi que tinha tido a oportunidade de presenciar um momento único. De amizade, no seu estado mais puro. Entre animais. Mas amizade.

Há coisas que nos acontecem e que, muitas vezes, não conseguimos perceber a sua razão logo no momento. Mas que, mais tarde ou mais cedo, acabam por fazer sentido.

Enfim, há dias assim. Que valem a pena pelas pequenas coisas que nos relembram as grandes coisas. No fundo, as que interessam.

14 de março de 2013

E tu, acreditas em Deus?

Isto de “acreditar em Deus” não é fácil de explicar. E até eu tenho ideias contraditórias. Mas tento conviver bem com elas.

Foi a minha avó Olinda que me ensinou a rezar. O Pai-Nosso, a Avé-Maria. E outras orações que, para seu desespero, nunca decorei. Como a do “senhor morto, senhor vivo…” que desta só sei esta parte.

Lembro-me de ir para casa da dela depois da escola e de a ver sempre de terço por perto. Que seguia religiosamente (e aqui o religiosamente é literal) pela rádio Renascença. Ou apenas enquanto nos arranjava o lanche ou dava ao pedal na Singer, onde fazia as suas próprias roupas. Batas, ela adorava batas.
Quando dormia na nossa casa, e quando passava da reza ao ressono, eu tentava acordá-la para ver se conseguia que se calasse. Respondia-me sempre “estou agora a ressonar! Nem estou a dormir, estou a rezar!” Uma frase que nunca mais me esqueci. E é claro que estava a dormir que nem uma pedra.

 
De vez em quando levava-nos à missa. À igreja São João de Brito. Aquilo era estranho. E, por inerência à idade, uma seca. Hoje entro numa igreja e sinto-me bem. Confortável. Protegida.
Mas fui crescendo com a história de que, lá longe, tinha existido um homem que tinha sido enviado para salvar o mundo. Um homem que se tinha sacrificado pelos outros. Que tinha morrido numa cruz, onde teria sido pregado de mãos e pés, e com uma coroa de espinhos presa à cabeça. Que ali morre e que ressuscita ao 3º dia. Uma história trágica, que me impressionava e que me suscitava alguma desconfiança.

Eu e mana sempre partilhámos o quarto. Dormíamos num beliche. Ela em cima e eu em baixo. Antes de adormecermos, tínhamos um ritual. Com alguma falta de sentido, é certo, mas um ritual. O nosso. Dizíamos sempre uma à outra “bons sonhos e boa noite, fica com Deus, igualmente e dorme bem”. Nunca falhávamos. E não, não fazemos ideia de como isto surgiu.
Com o passar dos anos fui aprendendo a acreditar. Não em Deus como ele é descrito, escrito e ensinado. Mas em alguma coisa ou alguém, superior a mim, que me ajudava a levar a vida. A ter fé que as coisas iam melhorar. O meu Deus. Que me dava força para continuar.
E lá fui criando, devagarinho, a minha relação com Ele. Comecei, como todos, por pedir ajuda, sempre que me via em apuros. Ah, e rezava antes me deitar. Mas aquilo era um bocado “automático”. Soava-me a falso. Toma lá um Pai Nosso, uma Avé-Maria, Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, vira-te para o outro lado e dorme.

Actualmente, e depois de tudo o que de menos bom me foi acontecendo na vida, a coisa mudou. Continuei, sim, a pedir ajuda quando sentia necessidade mas, acima de tudo, a agradecer. Por ter passado mais um dia. Por não me ter fugido de novo a saúde. Por ver bem quem me rodeava.

 
Sinto que fui mudando a minha forma de encarar o “acreditar em Deus”. E foi assim que tudo se foi descomplicando de explicar. De sentir. E a soar melhor. Mais cá de dentro. Mais verdadeiro. Menos automático. Mais à minha maneira. Sem obrigações, sem complicações, sem compromissos. No fundo, acho que nos tornámos amigos. Porque com eles também costuma ser assim. Sem obrigações, sem complicações, sem compromissos. Hoje é “alguém” a quem eu recorro sempre que “ a coisa aquece”.
E não, não é uma relação interesseira, de momento. É, eu diria, transparente. E ele sabe disso. Só o chateio quando preciso. De resto, agradeço. Se a coisa se mantiver assim, dá-me ideia que não haverá divórcio.

Hoje o dia vai ficar na história. Foi eleito mais um Papa. Um homem que subiu à varanda da Basílica de São Pedro e que falou sem um discurso grandemente preparado. E, com sentido de humor, dizendo que o no meio de tantos, “o foram buscar ao fim do mundo”.
Que gosta de futebol. Que andava de bicicleta e de transportes públicos antes de ser cardeal. Que cozinhava as próprias refeições.

Dizem que é um homem comum. Simples. Que escolheu o nome Francisco, que vem de Assis. Um Francisco que, depois de uma juventude inquieta, se torna sacerdote e se dedica a defender os pobres. Numa igreja que é podre de rica. E que só por isso me enerva. Não espero que este Francisco vá mudar isto. Mas espero que ajude a dar uma volta ao estado em que a igreja se encontra.

Nem tanto por mim, porque a forma como a igreja hoje se apresenta, opulenta e cheia de desconfianças, nada me diz. Mas porque cada um acredita no que quer. E porque temos que respeitar que aquilo é mesmo importante para milhares de pessoas conseguirem levar a vida em frente. Para milhares de pessoas acreditarem que vale a pena andar por cá e continuar a lutar para melhorar. E sentir que lá em cima alguém ou alguma coisa vai estar a olhar por nós.
Afinal, como alguém alguma vez disse, “"A razão de ser de qualquer fé é trazer-nos uma certeza."

Bom, habemos papam. Vamos, pelo menos, tentar acreditar.

11 de março de 2013

22 anos sentada. Mas ‘muita’ bem sentada.


22 anos depois, estou aqui.
A desconfiar que foi necessário, para encontrar o caminho certo. Para ser o que sou hoje. Parte boa e parte má incluída.

Para saber que há beleza cá fora. Mas saber que a que conta mesmo é a que está lá dentro.
22 anos depois, estou aqui.

Para perceber que há o trigo e o joio. E que é nestas alturas que eles se desligam um do outro.
Para que alguns percebam que é bom viver. Apenas, quem sabe, vendo-me viver. E constatando que se vive. Muito bem.

22 anos depois, estou aqui.
Para conseguir chegar onde os outros chegam. Ou ainda mais longe.

Para saber que mesmo nas fortalezas se aceitam as fraquezas. Porque todos nós temos limites.
22 anos depois, estou aqui.

Para ouvir música. Para viajar a ler livros. Para fumar um charuto. Para saborear um vinho do Porto. Para contar histórias. Para acompanhar quem eu gosto e gosta de mim.
Para abrir a boca para me rir e a torneira se me apetecer. E marimbar-me no que os outros possam pensar.

Ilustração por Rita Salgueiro

22 anos depois, estou aqui.

Para aprender que cada um tem um caminho. Não exactamente um destino. Mas um caminho que tem que ser trilhado. E tantas vezes desbravado com bravura.

Para saber que a vida pede calma, mas que por vezes é preciso dar um murro na mesa. Ou em alguém. E dar.

22 anos depois, estou aqui.

Para viver a vida assim. Como sei, algumas vezes como posso, quase sempre como gosto.
A sentir o corpo pela metade mas o coração por inteiro. E tendo a certeza de que tenho uma metade que vale por muitos por muitos “inteiros” que por aí andam.

Faz hoje, 11 de Março, 22 anos que fiquei de cadeira de rodas. E estou cá. Para ficar. Para tentar ser feliz.
Como já disse um dia, posso não andar mas, quando e se for preciso, com a ajuda das pessoas certas, voo. E alto.

Disso, nunca ninguém tenha dúvidas.

9 de março de 2013

"Mulher: a mais nua das carnes vivas e aquela cujo brilho é o mais suave."

Ser mulher é ser um montão de coisas boas.

É pensar com o coração. Mas saber dar tempo de antena à cabeça. Aliás, saber juntar as duas na perfeição.

É saber que a vida é gerada dentro dela. Sentir cada dia, cada semana, cada mês. Ter esse poder. Ser a única a tê-lo. Sim, e vomitar pelo meio.

É ter um filho a chorar de dor, mas a rir de felicidade. Tudo ao mesmo tempo. E depois esquecer tudo num instante e voltar a dar vida a uma nova vida.
É saber que, para chegar mais longe, ou tão longe como um homem, tem que lutar o dobro. O triplo. E isso não a fazer parar. Antes, motivá-la.

É saber que um sorriso vale mais que muitas palavras. Mas saber dizer aquelas palavras para conseguir aquele sorriso.
 
É falar pelos cotovelos. Mas saber parar e ouvir os outros.

É passar o dia a trabalhar, chegar a casa e ter uma máquina de roupa para fazer. Para depois estender. E um jantar para preparar. E uma cozinha para arrumar. E mais um dia para preparar. E saber viver assim todos os dias.
É ter um dedo que adivinha. Um sexto sentido. Ou fingir que tem.

É ser justa quando é preciso ser justa. E quando é injusta ser justa o suficiente para voltar atrás e reconsiderar.
É conseguir atravessar tempestades como quem navega em mares calmos.


É conseguir fazer mais do que uma coisa ao mesmo tempo. E tudo feito de uma forma que parece ter sido apenas aquela a tarefa do dia.

É sonhar acordada. Porque sonhar de noite é para quem não consegue imaginação para mais.

É ter um lado forte e fazer dele o pilar da sua vida. Mas gostar de ser protegida e abraçada. Não abafada. Abraçada.
É gritar, refilar e chorar desalmadamente sempre que lhe apetece. E depois parar e seguir a vida. Porque a vida pede. Ou nunca chorar. Até ao dia em que a vida lhe pede que o faça. E fazê-lo sem vergonha.

É apaixonar-se perdidamente por um olhar, por uns lábios, por umas mãos, por um timbre de voz. Mais do que por umas boas pernas, um bom rabo, uma bela peitaça. Mas não deixar de olhar para isso também.

É perder o pé mas aguentar-se, dar ao braços, até chegar ajuda. E aceitá-la.


É não pescar nada de futebol mas ser a melhor treinadora de bancada. E saber o nome dos jogadores mais giros. Mesmo que sejam de outras equipas.

É não saber mudar uma lâmpada ou um pneu de um carro mas ter sempre um amigo por perto para o fazer por ela. Não saber nem querer saber como se faz. Até porque a prioridade é manter as unhas sempre impecáveis.
 
Ser mulher é isto tudo e muito mais. Porque ser mulher é não ter limites. Nem para o ser.

Hoje o dia é nosso. E porque se é nosso também é meu, este eu dedico-o às mulheres da minha vida: mana, mãe e sobrinha. As melhores que a vida me podia ter dado.
Para elas, a melhor canção:


O mundo não seria mundo sem nós. E isto, é um facto. Venham de lá essas mulheres!

6 de março de 2013

“Devemos aceitar o que é impossível deixar de acontecer.”


“Marta, viste aquela notícia que deu ontem na televisão sobre uma possível cura para lesões medulares?”
“Junto envio imagem do tal aparelho, tipo robot, que encontrei na net e que consegue pôr um paraplégico em pé e a andar. Vê se te interessa!”

“Já ouviste falar daquele médico português que tira células do nariz e implanta na medula porque descobriu que a capacidade de regeneração das células nasais é grande e pode fazer o mesmo na medula?
“Dissera-me que em Israel é que é”. “A mim foi em Cuba”.

Foi assim durante muito tempo e, curiosamente, ainda hoje, 23 anos depois, isto acontece. Com menos frequência, mas acontece.
É bom sinal, eu sei. É sinal que os meus amigos, que eu sei que gostam de mim assim, continuam, no entanto, atentos a tudo o que aparece de novo para me verem a andar. Para alguns, muitos deles, seria mesmo a primeira vez.

É bom sinal e eu agradeço sempre, de coração. Que fique claro.
No primeiro ano de acidente, depois do período inicial de internamentos em hospitais – que penso que terminou em Agosto – lembro-me que os meus pais me perguntaram se eu queria parar um ano para me dedicar apenas à fisioterapia. Ou se preferia partilhar o meu tempo entre isso e continuar na escola. Optei pela segunda hipótese. A ideia de centrar toda a minha atenção apenas na recuperação, parar durante um ano e afastar-me de tudo, não me agradava.

Nos 3 ou 4 primeiros anos após acidente, fui a todas. Fisioterapia em Alcoitão, depois fora dele, em centros especializados. Também em casa. Homeopatia, acupunctura. Voei até Londres. Onde me disseram que o tratamento para casos como o meu estava “em ratinhos e pode demorar 10, 20, 30, 40 anos. Ou, simplesmente, nunca acontecer.” E acrescentaram no relatório, por escrito “que o essencial seria manter o espírito positivo” que já à época mostrava ter. Isso consegui.
Depois destes primeiros anos, senti uma necessidade de mudança dentro do meu coração. Que me levou a tomar uma decisão. Já estava farta da fisioterapia. Já nem a fazia de jeito. O que era um facto é que pouca ou nenhuma recuperação tinha havido. E eu sentia isso como ninguém. Estava na hora de parar.

Mas, durante esses primeiros anos, uma coisa tinha acontecido. Num ambiente sempre cheio de esperança, tinha-me habituado a viver numa cadeira de rodas. E a viver feliz. Percebi que o tempo que “gastava” em horas de fisioterapia com o objectivo de recuperar, me estavam a “roubar” tempo com amigos. Tempo de torradas no Continental, o café ao lado da faculdade. Tempo de passeios pelos jardins da Gulbenkian com os meus colegas da altura. Tempo "normal" da minha idade. Tempo de vida. Tempo a viver.
Por isso decidi abrandar o ritmo e retomar a minha vida normal. À vida normal de uma miúda de 18 ou 19 anos, que tudo o que queria era o que qualquer outra miúda dessa idade poderia querer. Estudar, sair à noite, aproveitar a adolescência. Uma decisão que foi claramente compreendida e apoiada pela família. Sabiam que só assim eu poderia ser feliz.

E, assim, segui a vida e cheguei aos dias de hoje. Com montanhas de obstáculos pelo meio, mas cheguei. Com montanhas de cicatrizes, uma literais outras não, hoje fechadas, mas cheguei.
Agoro volto às citações iniciais, para tentar apenas que compreendam algo que para muitos sei que é algo difícil de compreender. Ou mesmo impossível.

Neste momento da minha vida, e depois de tudo o que passei, ultrapassei e conquistei, nenhuma hipótese de tratamento que visesse “do outro lado do mundo” me faria parar e ir, sem saber sequer quando voltava. Neste momento da minha vida, e depois de tudo o que passei, ultrapassei e conquistei, nada me faria afastar-me das pessoas que amo, do trabalho que adoro, da vida que escolhi, para ir “experimentar”/tentar voltar a andar. Porque, lamento, mas não acredito que haja uma cura científica para a minha situação. E já há algum tempo que só sigo aquilo em que realmente acredito. No meu coração.
Já agora, quanto à tal hipótese do robot, que me voltaria a pôr em pé, percebi e agradeci a quem mo indicou. Mas a ideia de me tornar numa máquina estranha, aos meus olhos e aos olhos dos outros, está fora dos meus planos. Até porque máquina já eu sou. Quando acordo de manhã, me arranjo e saio de casa cheia de pica para trabalhar (vá, tem dias!) ou para me ir divertir. Mesmo num país que pouco pensa em mim em termos de acessibilidades. Mesmo num país que pouco ou nada me motiva para continuar a lutar por ele.

Tudo se resume a uma frase simples. Daquelas de apenas duas palavras: sou feliz. Mesmo assim, sentada.
E o resto são tretas. No fundo é como diz a senhora da música abaixo: eu sou o que sou.
 

5 de março de 2013

Dos anos 80 aos 90. Dos melhores que já vivi!

Eram os “loucos anos 80/90”. Mas os meus foram calminhos. Calminhos mas muito divertidos.

Chegar a casa, depois de um dia de escola, fazer uma panqueca ou uma tosta mista - com 3 fatias de fiambre e 4 de queijo -, um refresco de café e ligar a televisão era uma das minhas “loucuras” diárias preferidas.
Na altura só havia um canal, e parte da tarde era preenchida pela mítica Vera Roquette e o seu Agora Escolha.


Espaço 1999, Acção em Miami, Modelo e Detective, Kung fu, Alf, MacGyver, A-Team, o Justiceiro, o Homem da Atlântida. Bloco A ou Bloco B. Um número de telefone para onde ligávamos e a escolha era nossa. E eu ligava sempre.

O Agora Escolha não foi um programa qualquer! O Agora Escolha foi um dos primeiros programas interactivos da televisão.

Depois havia o Adam Curry e o Countdown. Um programa de videoclipes. Era a nossa MTV. Vá, e o Adam, uma das minhas grande paixões...Europe, Level 42, Bananarama, Pet Shop Boys, The Smiths, Housemartins, Kim Wilde, Lloyd Cole, Nik Kershaw. Bom, foram tantos, que ficaríamos aqui um eternindade. 

Na mesma altura, eu, a minha irmã e a minha prima Tété, que já tinha perto de 15 anos, fazíamos parte do Clube Oficial de Fãs dos Duran Duran. Cada uma de nós tinha o seu eleito. Mas se eu optava por um que elas decidissem gostar, mesmo que de um dia para o outro, lá tinha que eu mudar de ídolo. Eu, não elas. Aconteceu umas vezes. Mas enfim, já se sabe que as mais novas são sempre as mais sacrificadas. Acabei por ficar com o Nick Rhodes…O mais feínho, diga-se de passagem.

Mas os Duran Duran não eram os únicos que seguíamos com atenção. Apesar de não fazermos oficialmente parte do clube de fãs, também gostávamos dos Kajagoogoo. E, sim, sabíamos o single “To Shy” de cor…Aliás, ainda hoje sei.
Nunca mais me vou esquecer no dia em que eles vieram a Portugal. E, claro, lá foram as primas para a porta do hotel Penta ver se tinham a sorte de os ver entrar. Esperámos horas. Horas! E nada. Nós e mais umas centenas de fãs.
A certa altura, e porque já era tarde, a mana e a Tété foram ao café mais próximo ligar para as nossas mães. Era preciso avisá-las de que ainda íamos demorar “porque eles ainda não saíram mas devem estar mesmo, mesmo a sair…!”. E lá foram as duas.

Mandaram-me ficar à porta da garagem do Penta, que estava longe da confusão da porta por onde se esperava que eles saíssem. A principal. “Não saias daí que nós não demoramos”. Aquilo para mim era mesmo uma ordem. Nem me mexi.
E ainda bem porque a sorte, meus amigos, estava do meu lado. Lá fiquei eu, encostada à parede da garagem do Penta, absolutamente sozinha, à espera que elas chegassem. Muito bem-mandada, portanto.

 
Eis senão quando acontece uma cena digna de filme: do nada abre-se a porta da garagem. Lá de dentro sai uma limusine branca. "Valha-me Deus que são eleeees"! E eu ali sozinha! Com as pernas a tremer e sem ninguém a quem me agarrar…a quem contar, com quem partilhar, pá!
Paraliso por completo. Só me lembro do ver o Limahl e o Nick Beggs a abrirem as janelas, olharem-me nos olhos, a mandarem-me um beijo e dizerem-me adeus. Tudo aquilo só para mim! Tinha 8 anos, caraças! Por muitos anos que viva, nunca mais me vou esquecer daquele momento.

Quando voltei ao meu estado normal lembro-me de ter pensado “e aquelas totós que foram ligar às nossas mães precisamente agora. E as outras especadas à porta do hotel e eles a saírem pela garagem…!” Lucky me!

Nesta altura jogava Pac-Man, comprava a Bravo em alemão e forrava as paredes dos quartos com os posters que ali eram publicados. Ouvia a Nena e os "99 red balloons".


Ensaiávamos coreografias durante a tarde, ligávamos aos nossos pais para eles chegarem mais cedo. Temos “uma surpresa preparada para vocês”. Pais que, depois de um dia extenuante de trabalho, ainda se sentavam no sofá a assistir ao nosso espectáculo.

Entre vários, cantavamos o We are the world. Com a minha irmã. Cada uma de nós imitava um cantor. Ainda hoje fazemos isso na perfeição! É só porem-nos à prova.
 
Eram os anos 80/90. Eu vivi-os, calmamente, entre os 5 e os 14. E, quem como eu viveu estes anos e estes momentos, mesmo que assim, calmamente, sem grandes loucuras, teve uma sorte gigante. Porque estava tudo a começar.

Novas bandas, novos estilos, novos canais. Mais informação, mais tudo. Inovação, atrás de inovação. Muita coisa a acontecer pela primeira vez. Portugal estava a abrir-se ao mundo a uma velocidade enorme. E eu a viver aquilo tudo. Ao vivo e preto e branco. Mais tarde, a cores.
E sim, passaram-me as paixões platónicas. Começaram as mais…eu diria, realistas. Mas dessas, quem sabe se falarei noutro dia? :)

2 de março de 2013

Sim, a palavra certa é clã.

E cá estamos nós as quatro, como sempre, ao Sábado. Depois de deitar abaixo mais um repasto da mãe e uma garrafa de espumante.

Antes eramos só as três. Durante anos foi assim. Sempre.
Três amigas mas uma delas, acima de tudo, mãe. Para não confundir as coisas. E outras tantas vezes o árbitro!

Eu, a mana e a mãe. Sempre.
Quando uma tinha um problema, tínhamos as três. Quando uma não tinha problemas, as outras também não tinham.

Com a mana – sim, eu chamo-a assim mas ela nunca me chamou (coisas de irmã mais nova) – passei todos os dias da minha infância. Tínhamos os mesmos amigos. Frequentávamos os mesmos locais. Só não tínhamos os mesmos namorados mas, de preferência, ajudava que fossem os melhores amigos. E quase sempre foram.
A roupa, a mesma. A voz, a mesma. De tal maneira que um dia fui eu que terminei um namoro dela, pelo telefone, porque, claro, a mim não me ia custar nada.

Hoje a roupa dela já não me cabe, mas a voz continua igual. E as expressões. E as gargalhadas. E o que temos de diferente, complementa-nos.
Fomos crescendo e cada uma seguiu o seu caminho em termos de estudos. Ela totalmente virada para o desporto. Eu totalmente virada de costas para o mesmo.

Acho que das únicas vezes que decidi mexer-me um bocadinho mais foi quando resolvi dedicar-me à dança jazz, onde ia depois das aulas terminarem. Mas antes passava pela Sul América, na Avenida de Roma, e pedia ao meu querido Aristides uma brisa. A maior, de preferência. Depois passava por casa, levava o cão à rua, arranjava uma carcaça com geleia (ou de geleia com pão) e, dança jazz com ela. Eu até achava que tinha jeito. Mas duvido que o professor tivesse a mesma opinião porque me punha sempre na fila de trás. Palhaço.
Passadas duas ou três aulas, deixei de aparecer, mas mantive-me fiel às brisas e às carcaças com geleia. Ah, e segui Humanidades/Jornalismo. Percebi que no Desporto não me safava. Suar incomodava-me.

Mas fora isto, fora o percurso profissional, sempre juntas.
Aos 15 anos tenho o acidente em casa que me deixa de cadeira de rodas. Quem chega na hora H e me tira de dentro da casa de banho? A mana. Sim, salvou-me a vida. Ainda hoje brincamos com isto. Mas é a mais pura das verdades. Se não fosse aquela miúda de 16 anos e o seu sangue frio, eu hoje não estava aqui a partilhar alguns dos meus momentos convosco.

Se ainda havia dúvidas que eramos uma, depois deste dia, elas acabaram. Onde estava uma estava outra. Para onde ia uma, ia a outra. E sempre juntas. Muitas das vezes, de táxi. Com os 1000 escudos que a mãe nos dava para sair.
Foi sempre assim. Quando eramos pequenas, na adolescência. E hoje, como adultas.

Agora a mãe. Sempre amiga mas, acima de tudo, mãe. Vá, um bocadinho de tudo mas sem misturar as coisas. O chamado “respeitinho é bonito e eu gosto”. Mas uma mãe que confiava a 100% e que metia as mãos no fogo pelas filhas. E tantas vezes contra tudo e contra todos. Mas nunca se queimou.
Em 29 anos, e por duas vezes, foge-lhes o chão debaixo dos pés. Primeiro, com o episódio da paraplegia, depois o da septicemia. As duas a aguentarem as pontas. Sem saber se iam ter força para as agarrar até ao fim, ou se acabariam por ter que as largar. Mas aguentaram.

Perto daquilo que viria a ser a segunda tempestade, surge o quarto elemento. A Carlota.
Um bocadinho de pessoa que veio mudar as nossas vidas. Para melhor. Um anjo que hoje tenho a certeza que também veio para ajudar a ultrapassar aqueles momentos que tanto nos assustaram mas que também ainda mais nos uniram. E para nos compensar com outros maravilhosos.

Lembro-me de pensar que, se houvesse uma máquina onde se programasse de um lado o género de bebé que queríamos que saísse do outro lado, era exactamente uma daquelas que eu queria que me calhasse.
Lembro-me da minha mãe dizer que tinha sonhado com uma miúda linda, de cabelos compridos aos caracóis e loira. Foi o que nos saiu. Se bem que tivemos que penar uns anos até ter cabelo de jeito para por um gancho!

Hoje é a melhor sobrinha, a melhor neta, a melhor filha.

Como ela diz “chanfrada”. Mas, quem bem a conhece, “com todos os valores no sítio”. Uma obra de arte e a sobrinha mais gira do mundo. Diz a tia babada.

Hoje somos quatro. Quatro sortudas porque, saia quem saia, entre quem entre, estas quatro nunca saem de cena. Refilam, refilam. Mas, de cena, não saem. Sim, e coitadinho de quem entra...!

E no palco da vida, cada vez mais vazio de gente que sente de verdade, que se quer bem de verdade, com o coração, ter tido sempre por perto as pessoas mais importantes da minha vida, é razão para agradecer todos os dias.

E quem não o faz, eu própria falho às vezes, um dia arrepende-se.

Farei tudo para que isso não me aconteça. Um conselho? Façam o mesmo. Porque um dia, quando olharem para trás, podem já ter perdido a oportunidade de o fazer. Ou, pelo menos, de terem lá as pessoas que queriam que vos ouvissem.