30 de abril de 2013

Dias de neura.

Há dias em que não há mesmo nada a fazer. Acordo de neura, passo o dia de neura, vou para a cama de neura. Hoje, até ver, é o dia.

Normalmente isto pode acontecer-me porque:

1.      acordei com enxaqueca e não há medicamento nenhum que a mande bugiar

2.      acordei sem energia para arregaçar mangas

3.      porque estou com um problema qualquer, pessoal ou de trabalho, que insiste em não me sair da cabeça

Ora bem, hoje foi o dia da primeira, que passou mas deixou rasto e deu lugar à segunda e, claro, existe sempre o terceiro mas, nos dias como os de hoje, ganha uma dimensão anormal, muito ajudado pelos dois primeiros.
Fiz-me entender? Se calhar não, mas é provável que hoje ninguém me entenda. Tudo bem, avancemos.

As boas notícias? É que isto não me acontece assim tantas vezes.
Nestes dias, nestes dias maus, tento distrair-me indo até ao Facebook, mas acabo por ficar ainda mais irritada: frases de motivação a mais (lamechas e batidíssimas), músicas que mexem com o meu frágil sistema nervoso, posts desinteressantes e com montanhas de erros de português.

Desisto e vou à varanda olhar para o pinhal, esperando inspirar-me numa voadela de um corvo, numa graçola do gato coxo, ou rir-me de mais um “andar à miss” da vizinha da frente, que de miss nada tem mas que ainda não percebeu. Volto para dentro porque não há corvos, não há gato, nem a vizinha apareceu. E porque, em plena Primavera, está um frio de rachar e um vento de cortar. O que ajuda imenso à festa.
Entre um e outro email, entre um e outro texto de trabalho, ligo a televisão. Passo a vida a fazer zapping. Nada se aproveita. Nestes dias, nem as séries com que me delicio à noite, deitada na cama, me entusiasmam. O que não se explica, porque são as mesmas que dão durante o dia. Enfim.

Aproveito a hora de almoço para pegar no livro que estou a ler. Nem uma linha leio.
Deito-me em cima da cama na esperança de melhorar com 30 minutos reparadores. Fecho os olhos, respiro fundo. Agora é que vai ser, agora é que vai ser. Três ou quatro minutos depois abro um olho, depois o outro. Nada a fazer. Esqueço os 30 minutos de tentativa de me recompor. De encontrar força anímica, como dizia o outro que foi e que, espero, já não volte.

Continuo a trabalhar, no registo “porque sim”. Porque tem mesmo que ser. Mesmo as boas notícias, os momentos de produtividade, me deixam na mesma.
Entediada. É essa a palavra. Impaciente. Também serve. Depois, entediada e impaciente, regra geral, dá barraca: vem aí o mau feitio. E, como aqui em casa, ou no trabalho, ninguém tem obrigação de me aturar, ou arranjo confusão ou guardo tudo cá dentro. Nem uma nem a outra me fazem bem. Se bem que, a ter que escolher, escolho a primeira.
No fim, acabo sozinha, no meu canto, no meu quarto, na minha cama. A olhar para o tecto e a rogar pragas a mim própria por não ter conseguido libertar-me da energia negativa com que acordei. Porque me deixei envolver nela e, quando dei por isso, o dia já tinha passado. Mais um dia que não vivi como gosto. Com gosto. Fico furiosa, porque fiz tudo o que em tempos prometi a mim própria que não faria: desperdiçar mais um minuto da minha vida. Hoje desperdicei horas. Que nunca mais vou recuperar. Penso "inteligente, Marta, muito inteligente..."

O dia está a terminar. E por isso agarro-me à ideia de ter uma criatura de 9 anos, feliz por natureza, eléctrica por natureza, quase a entrar-me pela porta a dentro e a contagiar-me com a felicidade que traz agarrada ao corpo e à alma.

Que dali venha a energia que não encontrei durante o dia. Que as canções que canta, desde que entra na minha casa até que sai, me distraiam. Que os abraços e beijos que me dá enrolada na toalha de banho me adormeçam os nervos. Os que têm razão de ser, e os que não têm, mas que hoje ganharam estupidamente espaço.

Aliás, vendo bem, só de pensar nela as energias positivas estão a voltar.

                            (pausa para sentir melhor as energias a voltar)

Afinal, o dia não terminou e ainda não perdi tudo. Do meu lado, algo que só de mim depende: um esforço maior para que acabe bem. Para que, quando chegar a hora de ir para o meu canto, não dê o dia como perdido. Por me ter irritado, ou por ter irritado alguém.

E acreditar que amanhã o dia vai ser fantástico. Porque a verdade é que nós, eu e quem eu chateio estando assim, não merecemos que seja de outra forma.

Por fim, para os que ainda achavam que eu não tinha dias de neura - que são cada vez menos, eu sei -, aqui está a prova do contrário. :)

25 de abril de 2013

À conquista do continente do futuro

Aviso à navegação: hoje quem escreve não é apenas a Marta que já tantos conhecem. Hoje quem escreve é também a Marta, assessora de imprensa da Novabase.

Estes últimos dias foram de tanto trabalho. Stress. Dias de um cansaço que chegou a tocar o extremo. Umas vezes físico, muitas vezes psicológico. Lançar uma empresa lá fora não é para todos. Lançar uma empresa em terras que estão longe da nossa, também não. E nós conseguimos. Mais uma. Desta vez, nas terras de Malangatana. Nas terras quentes de Moçambique.
Foi um trabalho de equipa. Até acredito que quem inventou esta expressão, se tenha inspirado em pessoas como nós. Cada um fez o seu melhor. Cada um deu o seu melhor. Mas todos com apenas um objectivo. Cumprir “O” objectivo. Chegar exactamente a quem definimos que queríamos chegar. Chegar lá, passando a mensagem certa. E, acima de tudo, chegar lá, tocando de uma forma diferente. Fazendo a diferença.

Foi um trabalho cheio de riscos. Que nos assustaram mas que também nos motivaram.
Um trabalho em que uns estiveram na linha da frente, outros ficaram de apoio, na linha de trás. Mas logo atrás. Atentos.

Nos dias que antecederam o dia, os nervos estiveram à flor da pele. Nos dias que antecederam o dia, o coração bateu muitas vezes mais depressa. Ia correr bem? Não ia correr bem? Até à última, ninguém tinha nenhuma certeza. Melhor, apenas uma: que tínhamos feito tudo o que era humanamente possível.


Mas foram também dias importantes porque percebemos que somos capazes. Que estamos à altura. Que de cá para lá, é possível. Que conseguimos acompanhar o movimento natural da nossa empresa. Aquele que sai da nossa fronteira, e que passa para o lado de lá. Aquele que sai da nossa zona de conforto e que nos leva a viver novos desafios. Aquele movimento que só os mais corajosos conseguem fazer.

Enfrentámos um ritmo diferente, uma cultura diferente, costumes diferentes. Aprendemos a adaptarmo-nos. Aliás, como bons portugueses que somos. Mas também aprendemos com esse novo mundo.

No fim, o reconhecimento. Por todos os lados. De toda a equipa. Para toda a equipa. E, principalmente, dos que estiveram de apoio, atentos, na tal linha de trás.

“Suámos as estopinhas”, gritámos, desesperámos. Mas também foram muitos os momentos em que nos rimos como nunca antes. Momentos que acabaram até por unir quem, em tempos, se tinha desunido. Só por isso valeu a pena cada cabelo branco a mais para pintar.
Hoje temos um novo país para pintar no mapa-mundo. E, porque esta é uma equipa ganhadora, venha de lá essa tinta para continuar a fazer chegar longe a nossa visão. Porque queremos continuar a tocar pessoas. A mudar-lhes a vida. A tornar os seus dias mais simples e mais felizes, através da tecnologia.

Por tudo isto, hoje quem escreveu não foi só a Marta. Foi também a Marta, assessora de imprensa da Novabase. E com muito orgulho. Porque, também lá, fizemos acontecer.

Pensar alto - Poesia de Malangatana
Sim
às marrabentas
às danças rituais
que nas madrugadas
criam o frenesi
quando os tambores e as flautas entram a fanfarrar

fanfarrando até o vermelho da madrugada fazer o solo sangrar
em contraste com o verdurar das canções dos pássaros
sobre o já verduzido manto das mangueiras
dos cajueiros prenhes
para em Dezembro seus rebentos
dançarem como mulheres sensualíssimas
em cada ramo do cajual da minha terra
mas, sim ao orgasmo
das mafurreiras
repletas de chiricos
das rolas ciosas pela simbiose que só a natureza sabe oferecer

mas sim
ao som estridente do kulunguana
das donzelas no zig-zague dos ritos
quando as gazelas tão belas
não suportam mais quarenta graus à sombra dos canhueiros em flor

enquanto as oleiras da aldeia, desta grande aldeia Moçambique
amassam o barro dos rios
para o pote feito ser o depositário
de todo o íntimo desse Povo que se não cala disputando
ecoosamente com os tambores do meu ontem antigo
.

21 de abril de 2013

Uma manhã de Domingo.

Do que é que se escreve quando em nada se pensa? Disso mesmo.

Hoje é Domingo e acordei cedo. Agora são umas 8h. O meu pequeno-almoço foi estupidamente pouco saudável: café e bolachas com queijo de Azeitão. Na varanda. Naquela que alguns de vocês já conhecem.
Esperei a mana sair com a Carlota para a praia. Esperei a mãe sair para o trabalho. Disse-lhes “vá, até logo”.

Não se ouve barulho na rua. Ainda é cedo e, ao Domingo, esta malta acorda mais tarde.
A não ser o vizinho do prédio do lado que, equipado a rigor, sai para o seu jogo de futebol com a grupeta do costume.

Também já estacionaram aqui no parque em frente 3 carros com gente que aproveita os trilhos do pinhal para andar de bicicleta. Param, tiram as bicicletas dos tejadilhos e, artilhados até aos dentes, seguem.
Seguem eles e, pelo mesmo caminho, seguem aqueles que fazem este percurso pela fresca. Uns a andar, outros a correr. Novos e velhos. Sozinhos, ou em grupo. O mais chiques, com o seu personal trainer.

O silêncio da rua é quebrado, por minutos, pela vizinha do prédio da frente, que sai com o miúdo ao colo, numa tremenda birra. É dia de o levar à natação. Dá-me ideia que, se ele pudesse escolher, não ia.
Os senhores do lixo chegam cedo. Antes das 8h já andam a despejar caixotes. Reparo que hoje é tudo automático, com joystick. No meu tempo era à mão, com o esforço e o suor de cada um deles.

Lá ao fundo, no pinhal, os corvos e os melros saltam de copa em copa e soltam sons que chegam até aqui, à minha varanda. Deve ser bom. Ser livre e ter apenas duas preocupações: encontrar comida e voar.
As andorinhas já chegaram às nossas varandas há uns dias e passam o tempo a sobrevoá-las e a picar os ninhos. É um entra-e-sai constante.

Com tudo isto já são 9h30 e alguns vizinhos começam a acordar. Já se ouvem os barulhos dos pratos a serem postos nas mesas para o pequeno-almoço. E também já se sente o cheiro das torradas. Cheiro que se mistura com o dos pinheiros.
Ouvem-se as mães a refilar com os filhos, que teimam em não lhes obedecer. “Sai da cama. Daqui a bocado chegam os teus avós e ainda estás nisto, Manel!”.

Os canitos começam a ir à rua. Os donos cruzam-se, dizem, “bom dia”. E, no meio deles, lá está o Mike, a ladrar feliz e a correr pelo trilho que o leva ao pinhal. “Mike, para aí não”, diz o dono. E lá vem o desgraçado do Mike, resignado, mas vem. Entra no porta-bagagens do dono e lá vão eles. Giro, leva sempre o cão com ele. Todos os dias. Um dia pergunto-lhe para onde.

Também me cheira a roupa lavada. Que a minha mãe estendeu antes de sair de casa.

O “gato vadio e coxo” cá da rua, que entretanto acordou e se esfregou na terra, põe-se em sentido à frente da janela da enfermeira do prédio ao lado, à espera que ela acorde e a abra, para por ali poder sair o seu amigo “gato amarelo”. Como sempre. E passam o dia juntos. No laréu.
Com isto já são umas 10h. Agora sim, as portas dos prédios abrem-se com mais frequência. Uns vão ao pão, outros para a praia. A vantagem de viver perto da praia é esta. Acordamos, vamos às varandas e sentimos de imediato se o tempo está de feição. Quando morava em Lisboa não tinha esta sorte. Muitas vezes arriscávamos. Aqui temos sempre a certeza.

Mas eu hoje decidi não ter programa. Decidi acordar e ficar o dia por casa. Sem horas. Sem obrigações. Sem ninguém. Passei a semana a sonhar com este dia. Só me conseguiram convencer a sair mais logo para ir ver a bola ao restaurante aqui da rua. Entre sportinguistas e benfiquistas, petiscos e nervos, o serão promete. A coisa anda preta mas, como boa sportinguista que sou, vou cheia de fé.
Também é dia das senhoras do lar de velhotes aqui da rua levarem os que não recebem visitas a dar um pequeno passeio a pé. " Vá, é só uma voltinha ao quarteirão, D.Joaquina”, diz uma delas. “Ai não menina, que isso é muito! As minhas pernas já não aguentam.” A rapariga responde “olhe D. Joaquina, como dizia o outro há uns dias na televisão, ai aguenta, aguenta”. Riem-se. E lá vão.
Nisto reparo que passam 2 senhoras numa carrinha e param perto do caixote do lixo. Procuram aquilo que alguns não querem, deitam fora e que elas aproveitam para reciclar. Neste caso, levam um armário velho que estava lá desde ontem à noite.

De tempos a tempos, passa o autocarro e pára na paragem. Confesso que não percebo porque raio os autocarros têm que passar por aqui. Raramente alguém entra ou sai! Só muito de vez em quando se vê um casal de velhotes entrarem lá dentro. Mas enfim. O ritual do motorista também não muda muito. Aproveita a pausa para falar ao telemóvel e, enquanto o faz, dirige-se a um canto do parque de estacionamento, por detrás de um pinheiro, para um chichi. Belo ritual. Também temos uma senhora motorista. Mas esta não sai do autocarro. Prefere ficar a ler a revista cor de rosa que conta o que se vai passar nas novelas de logo à noite.

Já são 11h e ouvem-se estores a abrirem–se. Agora sim, por todo o lado. O sol já abriu por completo. A brisa da Primavera já se começou a fazer sentir. Os pássaros estão ao rubro e cantam que se desunham.
Saem as famílias para passear. Ou chegam os avós. Uns cheios de sacos de plástico. Outros com aqueles que se compram no Pingo Doce e no IKEA. Trazem o petisco para o almoço e, muitas vezes, a sopa para a semana dos filhos. Trazem a ajuda que podem.

(suspiro e aproveito para respirar fundo)
A minha rua está, finalmente, a acordar. Eu já o fiz há umas horas. E pouca coisa me dá tanto prazer como sentir o seu silêncio e seguir os seus hábitos. Desde cedo, enquanto ainda dorme, até abrir os olhos por completo e sair da cama.
Sei bem que a minha rua é igual às outras todas. Mas, como a maioria faz, eu não quero limitar-me a viver apenas nela. Prefiro observá-la atentamente sempre que posso. De onde se vê tudo tão bem. Cá de cima, da minha querida varanda.

17 de abril de 2013

"Não tenha medo da perfeição. Você nunca a vai atingir."





Há uns dias circulou nas redes sociais uma campanha de publicidade brilhantemente criada por um português, da Maia, que me emocionou. E o que me emociona, regra geral, inspira-me.
Fala sobre um tema em que poucos pensam e, se pensam, poucos falam. E por pouco se falar, torna-se num problema.

Fala sobre gostarmos de nós. Ou melhor, sobre o não gostarmos de nós.
Fala, em particular, do nosso corpo. De não nos contentarmos com o que a natureza nos reservou. É muito mais um problema feminino que masculino. Apesar da balança se começar a equilibrar nos dia de hoje, até nisto.

Todos nós nascemos com um aspecto. Com um feitio de corpo, um tipo de cara, uma forma e cor de cabelo. Com um conjunto de pontos que, unidos, formam a nossa figura. O tal “aspecto”.
Mas a campanha vai mais longe, fala sobre mais do que isto. Fala sobre a diferença entre a forma como nos vemos e a forma como os outros nos vêem.

Fala sobre aceitarmos as nossas imperfeições. Olharmos para elas com um certo carinho. São nossas.
Fala sobre o avançar da idade, o chegar das rugas e dos cabelos brancos. Fala de estar vivo.

Fala sobre percebermos que, ao aceitarmos o que temos de menos bonito – e atenção que eu não uso a palavra “feio” -, somos pessoas mais completas e mais equilibradas. Inteiras.
Mas nada como dar um exemplo. E nada como me usar a mim como tal.

Antes de ficar de cadeira de rodas, até aos 15 anos, era uma “pequena mulher”. Pequena porque era quase uma criança, mulher porque o corpo já se tinha desenvolvido bastante. Na altura, eram poucos os que me davam a idade que, de facto, tinha.
Quando me acontece o acidente que me deixa de cadeira de rodas, muita coisa mudou. E o corpo foi uma delas.

Emagreci quilos atrás de quilos. Fiquei literalmente pele e osso. Perdi tudo o que me poderia tornar mulher.
Com o tempo, fui recuperando o peso, as curvas e a coisa foi-se recompondo..

Anos depois deparo-me com uma septicemia e voltei ao modo “tábua-de engomar-nº2" lá de casa. Todos os quilos que até ali tinha ganho, voltaram a desaparecer. Estava com aspecto de doente. E estava mesmo.
Na altura olhava para o espelho e não gostava do que via. Não encontrava roupa que disfarçasse a magreza e os ossos. Nada me assentava no corpo.

Na altura tentava lidar o melhor possível com a situação, mas não foi fácil.
Depois de 1 ano e meio de recuperação dos internamentos e das cirurgias, o meu corpo volta a estabilizar. E, porque voltou a ser saudável, atrás disso vieram os quilos. Sem infecções, voltou o apetite.

Na altura da septicemia devo ter estado um ano sem fome ou a comer mal. Quando me vi livre da má disposição e recuperei a vontade de comer, não me privei de nada. Resultado: passei um bocadinho do peso “ideal”. Ou melhor, passei a ter o peso “ideal” para não ter feridas, logo, infecções, mas ultrapassei o peso “ideal” para caber em todas as roupas.

Acabei por me habituar. Nada como comprar um ou dois números acima e quase tudo volta ao normal. Mas este facto também implicou habituar-me a viver com esses um ou dois números acima.
Hoje olho para o espelho e, apesar de gostar do que vejo, claro que mudaria algumas coisas. Mas não conheço ninguém que não mudasse. Por isso posso considerar-me, no mínimo, dentro da média.

A verdade é que, perto dos 40,o corpo já não é o mesmo que aos 20. A lei da gravidade já espreita, as dietas não surtem efeito como antigamente, alguns dos cabelos já são brancos, as rugas já fazem parte de um sorriso mais aberto.
Para além disso, todas as cirurgias pelas quais passei deixaram marcas. Cicatrizes. Mas também aprendi a conviver com elas. São bonitas? Não, não são. Se as exponho? Só se precisar mesmo. Se as aceito? Caro que sim! Prefiro olhar para elas como marcas de ter sobrevivido a um momento mau da minha vida. Um momento que já lá vai. Que faz parte da história. Da minha história. E que, só por isso, e apesar disso, nunca vou querer esquecer.

Este é o meu exemplo. É extremo, verdade, mas é aquele que posso partilhar convosco.
Também sei que a verdadeira beleza vem de dentro. Parece um cliché mas é verdade. Quantas pessoas bonitas por fora abrem a boca e perdem a graça? Quantas pessoas menos interessantes fisicamente quando o fazem fascinam qualquer um/a?

Muito bem, todos concordamos com isto. Mas também é verdade que ainda não existe visão rx para conseguir, num primeiro olhar, perceber a beleza interior e, por isso, o que está cá fora é muito importante. É o que causa a primeira impressão. E a primeira impressão é, normalmente, a que fica.
Mas aceitar o aspecto com que nascemos não invalida que não o tentemos melhorar, caso não gostemos do que vemos. Que venham de lá essas dietas, sempre com exercício físico, e até as plásticas! Porque não? Desde que não se entre em excessos, porque não?

E depois, tudo o que não se resolve com as ditas dietas, exercício ou plásticas, resolve-se com pequenos truques. Barriga grande, camisola larga na zona, braços gordos, camisolas “asas de morcego”, pernas curtas, sapatos com saltos mais altos, olhos pequenos demais, um bocadinho de maquilhagem no local certo, etc, etc, etc…! Há que saber valorizar o que de melhor temos, disfarçando o que temos de menos, eu diria, perfeito. Há sempre uma solução. Sejamos espertas (e espertos) e façamos um esforço para encontrar a que melhor se adequa a nós.
Mas antes de tudo isto, há uma regra de ouro: aceitar o corpo com que nascemos. Porque há coisas que não conseguimos mudar. É fácil? Às vezes não é. Mas é algo que tem que ser trabalhado. Fazer tudo para melhorar. Aceitar. Até porque, quem nasceu com as ancas largas, nunca as vai ter estreitas, e quem nasceu com 1m60, nunca terá 1m80. Aceitar. E melhorar o que pode ser melhorado.

Porque uma coisa é certa: se aceitarmos, vamos ser muito mais felizes. E, tal como o contrário acontece, se nos acharmos bonitas, os outros vão achar-nos deslumbrantes. Se nos acharmos bonitas, vamos ser mais seguras. Se formos mais seguras, passamos mais credibilidade e força. Se passarmos esta força, chegamos mais longe. E o longe pode ser meeeesmo muito longe!
A campanha criada pelo rapaz da Maia fez-me pensar nisto. Fez-me pensar em tudo o que o meu corpo já passou. Que houve tempos em que o espelho do quarto quase saiu disparado pela janela. Mas não saiu e ainda hoje está. E que hoje gosto de olhar para ele.

Esta campanha fez mais que isto: lembrou-me que, para além dos percalços da vida, a idade também se vai reflectindo no corpo, e que contra isso nada poderemos fazer. A não ser aceitar que a vida é mesmo assim, aprender a valorizarmos o que de melhor temos, e aproveitar a vida. Até porque ela é curtinha!
E termino com o que me emocionou, esperando que vos inspire. A criatividade do Hugo Veiga, um rapaz do norte. Vejam com atenção e pensem bem na mensagem que ele passa. Partilhem.

Porque é preciso pôr toda a gente a sentir-se a pessoa mais bonita do mundo.

15 de abril de 2013

É tão simples como isto. E, por isso mesmo, bom.

Costumo dormir uma sesta aos fins-de-semana. Sempre gostei. Desde miúda. Tal como gosto de me levantar cedo, mesmo que a noite tenha sido longa. Acho que me habituei a isto na altura em que as noites eram até às tantas, mas a ordem da mãe sempre a mesma: "deitem-se tarde à vontade mas, nesta casa, acorda-se cedo para tomar o pequeno-almoço. Querem dormir, dormem de tarde.”

Bom, mas hoje, a partir das 17h, mesmo que tenhamos estado juntas até há poucas horas, mana e sobrinha batem à porta.
Entram. A Carlota, assim que me sente sossegada, quase sempre com um objectivo: entrar no quarto devagar e, pé ante pé, tentar pregar-me um susto. A mim, que a sinto a quilómetros…

Ainda vem de cabelo molhado do banho, com aquele cheiro que me enfeitiça há 9 anos. Deita-se em cima da cama, ao meu lado - quando tenho a sorte de não ser em cima de mim - e diz “Titi,  não estava a dormir, pois não?”. Apetece responder-lhe “Claro que não , meu amor. Mas, se estivesse, isso não teria sido um problema para ti, certo?”. Mas não respondo e deixo-a estar por ali, na mimoca, mais uns minutos.

Depois lá a consigo convencer a distrair-se no computador "só um bocadinho, querida, vai lá". Apetece-me mesmo ficar mais um pouquinho colada à cama, com a televisão, ao fundo, com imagem, mas muda.

Na sala, o rebuliço. Mãe e mana falam de tudo, como se não se vissem há semanas. E há sempre assunto. Comenta-se de tudo e também o filme nojento que passa na televisão, em que extraterrestres gordos e cheios de baba tentam roubar o país a humanos. Humanos que, com humor lá pelo meio, conseguem salvar a terra.
No meu quarto, do outro lado da casa, onde ainda não saí do “modo-ronha”, oiço as gargalhadas da Carlota, que delira com tantas cenas estúpidas. Carlota que, de cinco em cinco minutos, me vem contar, eufórica, a parte do “bicho que entra na pele no homem e que anda por dentro dele, pá, que nojo!”. Sai do quarto a correr, para ir ver mais, para depois vir contar-me nova cena arrepiante. Sempre se riu assim, à gargalhada. Lá do fundo.

São sete da tarde e o jantar já está pronto. Quando vemos o empadão, não resistimos e a máquina liga-se. Mãe-tira-o-repasto-do-forno-mana-prepara-a-sangria-de-espumante-com-frutos-silvestres-a-sopa-e-a-fruta-da-miúda-eu-preparo-a-mesa-na-sala-os-tabuleiros. São sete e cinco, está tudo pronto para jantarmos.
E assim se começa a jantar bem cedo, com o tal filme a passar na tv e a continuar a captar a atenção, agora de todas. Filme que continua nojento, por sinal. E com cenas para rir. Que continuam a provocar as gargalhadas pouco discretas da Carlota. Nesta altura, já de todas.

Chegou a Primavera e já não se acende a lareira. Mas a sangria de espumante cumpre praticamente a mesma função. Aquecer-nos. Para além de nos alegrar…!

Aqui come-se rápido. É terrível, mas é verdade. São oito horas e estamos despachadas. Máquina liga de novo. Levar-tabuleiros-para-a-cozinha-arrumar-tudo. Oito e quinze e está a casa organizada. Como se nada tivesse saído do sítio.

É Domingo. Dia de jantarmos as quatro com a calma que a semana não nos permite. E ao mesmo tempo. Juntas. Só as quatro.

Ilustração por Rita Salgueiro

Por ser Domingo, é também dia da Carlota se deitar cedo porque amanhã tem escola. E queremos que mantenha os “5-a-tudo”, como ela diz.

Durante a semana foi dia de reunião de pais e professores. Foi lá a avó, que a mãe estava a trabalhar. “Tem uma neta fantástica. No recreio, uma louca a brincar. E sempre a liderar as brincadeiras. Mas quando entra na sala respira fundo, faz um rabo-de-cavalo, concentra-se e acaba-se a loucura. Tem é um feitio…ui…mas é uma maravilha de miúda. Se continuar assim, nunca vão ter problemas.” E não vamos. Acredito profundamente que não vamos.

Também tem um lado de complicómetro. Quando se explica, não vai a direito. "É a tua fotocópia, Marta. Quando a oiço, estou a ouvir-te a ti com a idade dela. É uma segunda edição", diz-me a minha mãe. A-d-o-r-o.

Quando elas se vão embora, entramos noutra fase da noite. Igualmente boa. A fase do charuto, da novela, do serão.

Foi assim desde sempre. Ou, pelo menos, é assim há muito tempo. É a nossa forma de nos preparamos para mais uma semana. Ganharmos energia. Semana que passa, e que no Domingo queremos que volte ao mesmo.

São serões simples, é certo. Muitas vezes - tantas vezes - parecidos uns com os outros. Sem luxos.

É o NOSSO serão. Que todos deviam fazer por ter. São as NOSSAS rotinas. Precisamos delas. Se as quebramos, estranhamos. Por isso, tentamos não o fazer.

Mantemo-las. Preservamo-las. Porque é bom. Porque nos sabem sempre bem e porque, enquanto assim for, é sinal que a coisa está no caminho certo. Que estamos juntas. Sempre.


12 de abril de 2013

Para, escuta, olha. E ajuda.

Às vezes dou por mim a pensar na sorte que tenho. É um exercício que faço com alguma regularidade. Até porque no turbilhão dos dias, todos damos por nós…a ter pena de nós. Se não for a ter pena, será pelo menos a refilar com alguma coisa. E eu não sou excepção.

Ou é porque temos muito trabalho. Ou porque passamos demasiado tempo no trânsito. Ou porque estamos gordas. Ou porque chegamos a casa e ainda temos que ir fazer máquinas de roupa. Ou porque chove. Ou porque está calor. Ou porque…enfim, qualquer coisa serve. Porque há sempre alguma coisa.
E isto é estúpido. É muito estúpido. É mais que isto. É ridículo e injusto.

Porque hoje em dia é uma sorte: ter trabalho, ter um carro e dinheiro para a gasolina, ter comida, ter uma casa, sentir a chuva e o sol na pele.
Porque hoje em dia, há quem não tenha nada. Nada de nada. Porque hoje em dia, há quem nem um amigo tenha para poder pedir ajuda. Para chorar.

Porque hoje em dia, há quem durma na rua, ao frio. Enrolado em caixas de papelão que desmancham e com que se tapam para cortar o frio. Sempre houve, é certo, mas agora há mais. Tantos mais…

É preciso parar para pensar. Contra mim falo, que tantas vezes me incluo naquele grupo de pessoas que, quando se dá conta, está a refilar com tudo. Cada vez menos. Felizmente, cada vez menos.


Porque a vida, com tudo o que ela me trouxe de pior, também me trouxe o melhor. Ensinou-me, pelo menos, a parar, escutar e olhar. Olhar para a sorte que tenho em ter uma vida equilibrada, com amigos, conforto, trabalho. Uma cama onde posso descansar. Onde posso dormir, acordar e saber que tenho café fresco, bolo de laranja, bolachas e manteiga para o pequeno-almoço.
E que a seguir tenho uma casa de banho onde posso tomar um bom banho quente, pôr a minha máscara no cabelo, os meus cremes no corpo. Uma prateleira cheia de tudo.

E que vai haver o que comer ao almoço e ao jantar. Naquele dia e nos dias seguintes. Uns dias com mais dinheiro, outros com menos, mas sempre com o que sirva as minhas necessidades. Mesmo que sem luxos.
Quantas pessoas têm esta sorte? E quantas pessoas também a tinham e deixaram de ter? De um momento para o outro acaba o dinheiro, vai-se a comida, depois o carro, depois a casa. E, porque como diz o velho ditado “casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”, no fim desmembra-se uma família. Ou por isso ou porque é preciso partir para outro país à procura de dinheiro para a comida, o carro, a casa. Para viver. Para sobreviver. Sim, porque viver já começa a ser um luxo.

Depois deparo-me com a história de uma miúda que parece ter tudo o que falta a tantos, mas que se despe desse tudo, arranca para um país longínquo e decide viver meses quase na miséria. Mas feliz porque ensina crianças que vivem nessa miséria. E porque consegue tornar a vida desses miúdos menos miserável. É assim que essa jovem dedica tempo da sua vida: na maior favela do mundo, num qualquer país africano, a ajudar os outros. Depois volta para cá. Mas volta para ajudar os que cá também precisam de ajuda. Contudo, sempre com a promessa de voltar para lá, para garantir que aquela dúzia e meia de crianças pode ter mais um ano de novas palavras, conhecimento, uma oportunidade.
 
O mundo está virado de pernas para o ar. Não é a primeira vez que o digo aqui. Nem será, certamente, a última. Mas está mesmo.
A riqueza está toda concentrada. E cada vez mais. E a pobreza aumenta a cada dia que passa. Por cá e por lá. Por todo o lado. Mais do que nunca, à vista de todos.

Por isso, temos que fazer um exercício muito importante: paremos para pensar, caramba. Não só em nós, que no meio desta porcaria toda ainda nos vamos safando, mas naqueles que já não se safam sozinhos.

Às vezes basta um sorriso. Uma graçola. Um abraço. Uma palavra que traga esperança. Às vezes basta olharmos menos para o nosso umbigo e darmos um bocadinho de nós. Sem esperar retorno. Só dar. Não custa nada. E faz-nos tão bem…
Hoje somos nós a ajudar. Mas como as coisas estão, um dia pode ser a nossa vez de precisar de ajuda. E vai saber-nos bem ter lá alguém para nos dar a mão.

7 de abril de 2013

Ao meu melhor amigo.

Faz hoje um ano que a vida me deu um murro no estômago. Daqueles que, mesmo sendo no estômago, me esmagou lá no fundo e chegou ao coração.

Faz hoje um ano que senti na pele o que foi perder uma pequena, mas tão importante, parte de mim.
Porque faz hoje um ano que, sem pré-aviso, a vida me levou aquele que era o meu melhor amigo.
Um ser, vivo como eu, mas em muitas coisas mais perfeito do que eu. Mais amigo. Mais fiel. Mais paciente. Mais feliz com o que tinha. Mais presente na vida de quem dele precisava. Muitas mais vezes do que alguma vez eu fui. Quantas vezes eu falhei nestas situações, sem sequer me aperceber. Ele, nunca. Nunca.

Sabia quando eu estava feliz, sabia quando eu estava triste. Sabia quando me podia interromper o trabalho. Sabia quando eu queria mimo. Sabia, como ninguém, pedir mimo. E sempre o recebeu.

Por ele mudámos tantas vezes as nossas vidas. Por ele adaptámos tantas vezes as nossas férias. As nossas saídas de casa. Mas tudo isto sem que fosse uma obrigação. Ele era parte das nossas vidas. Era mais um de nós. E nunca “um de nós” ficou para trás. Ou vamos todos, ou não vai nenhum.

Hoje, passado um ano, ainda sinto a dor daquele murro no estômago. E ainda sinto o coração a ficar mais pequeno quando dou por mim e pensar nele. Esparramado na varanda ao sol, deitado na cama ao lado da lareira, ao quente. A dar cabeçadas no comedouro a ver se encontrava os bagos de arroz que, em tempos, lá pusemos. A pedir pão seco assim que acordava. A passear num dia chuvoso, mas sem nunca pisar as poças de água.

 
O meu melhor amigo chamava-se Gaspar. Era peludo, louro, tinha 4 patas, olhos pretos de chinês, bigodes, nariz molhado e o rabo sempre a abanar. E isto tudo em 42 quilos de ternura e mimo. E inteligência.
Chamava-se Gaspar e não tenho a menor dúvida que, enquanto o tive por perto, fui muito mais feliz. Desde que o perdi, tenho feito tudo para o continuar a ser. Mas ainda são muitos os momentos em que não sou. Porque não o tenho. Porque não sinto o pêlo dele nas minhas mãos. O cheiro da baba. Porque não o vejo. Fisicamente. E vê-lo apenas no coração ou nos meus sonhos, ainda não aprendi a que me chegasse.
Uma palavra a quem não percebe esta dor. Que se lixe. Que se lixe quem não consegue compreender a dor devastadora que se sente quando se perde um animal como se de uma pessoa se tratasse. Porque a questão é mesmo essa: para nós ele era mais uma pessoa nesta casa. Que se lixe quem responde “sim, mas era um cão e cada um deve ter o seu lugar.” Este tinha. E um lugar muito especial: nos nossos corações. Onde, aliás, poucas pessoas cabem. Era um cão especial. E felizmente que, para além de nós, foram alguns os que tiveram a oportunidade de perceber isso.


A quem não percebe esta dor que nos aperta o coração, só posso desejar que um dia tenham a sorte de viver e conviver com uma amizade tão pura como a que recebemos e demos ao Gaspar.

Passou um ano. E 365 vezes pensei que encontrar outro amigo destes poderia ser uma forma de superar a falta que ele me faz. Que ele nos faz. Mas até agora, a mim faltou-me a coragem. Talvez a tenha esgotado em tudo o que de mau me aconteceu ao longo da vida. Ou talvez ainda não tenha chegado a altura certa. Acredito que o tempo vai acabar por ajudar. Mas, por agora, não. Se um dia esse dia chegar, logo se verá.

Mas, no meio de tudo isto, uma coisa já ninguém nos tira: a sorte de, durante 10 anos, termos vivido uma amizade como esta. Incondicional.

Estejas onde estiveres, Gaspar, serás sempre o nosso cão. E tenho a certeza que, estejas onde estiveres, estarás esparramado num canto, confortável, a ressonar e a tremelicar, como quando fazias aqui enquanto sonhavas. E que continuas a ser feliz como foste connosco.
Nós, por aqui, vamos continuar a fazer tudo para sermos também. Sempre contigo no coração. Como sabemos que também nos tens no teu. Para sempre.