31 de julho de 2013

Can't Stop Me Now!

Hoje a minha vida deu um passo de gigante. Daqueles que estava longe que alguma vez desse.

Mas, para que percebam melhor, vamos andar cerca de dois anos para trás.

Estávamos em Junho de 2011. Alguém me tira uma foto e publica no facebook. O Ricardo, um amigo que também anda em cadeira de rodas, vê essa foto e comenta “mas que raio de cadeira é essa?”. Respondi a rir-me que era aquela que a minha bolsa podia comprar.

Foi nesta altura que ele me chamou a atenção para o Programa “Ajudas Técnicas”, do Estado. Trocado por miúdos, trata-se de um valor que o Estado disponibiliza anualmente aos IEFPs para financiarem pessoas com algum tipo de deficiência que precisem de material técnico, mas sempre no âmbito da promoção do seu trabalho e/ou formação.

Confesso que primeiro desconfiei, porque nunca pensei que do Estado, neste estado, viesse alguma coisa boa. Mas decidi meter mãos à obra e comecei a fazer contactos. Na altura rebenta a crise e deparo-me com “não temos dinheiro”, “não temos médico”, “não temos”, “não temos”, “não temos”.

Tudo bem, pensei, nunca tinha usufruído desta regalia, não ia morrer se as coisas continuassem a ser assim.

Cerca de um ano e meio depois, em Novembro, o Ricardo volta a contactar-me alertando-me para o facto do programa estar de novo a funcionar. Ou seja, tinha voltado a haver dinheiro para as Ajudas Técnicas. Here I go again.

De imediato ponho-me em contacto com o IEFP de Almada e começamos a trocar emails, documentos, assinaturas. Faço o levantamento do material que mais precisava. Entre esse material, uma cadeira topo de gama e uma plataforma elevatória para poder sair sozinha do meu prédio.

Depois de alguns meses e muita papelada junta, recebo um email do IEFP a informar-me que estava tudo aprovado. TUDO APROVADO. “Sim, Marta, leste bem. Tudo aprovado”. Nem queria acreditar. Mas era verdade.

A partir dessa altura, começo a sonhar todos os dias com o novo material, com tudo o que nunca tinha feito e que poderia começar a fazer. Sempre que alguma coisa me corria menos bem, voltava a olhar para aquele email de aprovação e pensava “não tarda muito e isto vai ser uma realidade”. Melhorava.

Hoje, 8 ou 9 meses depois de iniciar o processo, entregaram-me a última encomenda. Eu diria, a mais importante: a plataforma elevatória.

Acompanhei quase cada minuto da montagem. Não por achar que iria aprender alguma coisa, mas porque aquilo que ali estava, aquela montanha de metal cheio de tecnologia lá dentro, ia ser o meu passaporte para momentos que nunca tinha vivido.

Foi assim que hoje, quase 10 anos depois da Carlota ter nascido, pude sair de casa sozinha e ir busca-la à porta do ATL. Foi assim que hoje, quase 10 anos depois ter tido a sorte de ter sido tia de uma miúda como a Carlota, pudemos sair só as duas depois do jantar, ir comprar um gelado ao café do senhor Ezequiel e comê-lo no jardim das traseiras. Só as duas.
 
 
 
Parece pouco, mas não é. Não foi para mim e também não foi para ela. Que no caminho me ia abraçando pelo pescoço e dando beijos sem dizer uma palavra. Com aquele histerismo que se sente quando a felicidade se mistura com nervos.

Hoje a minha vida deu um passo de gigante. E prometo que nunca mais começo um texto por dizer “daqueles que estava longe que alguma vez desse”. Porque a parte gira da coisa é que a vida, por muito complicada que seja, tem sempre boas surpresas reservadas para nós.

Agora vou começar a pensar no próximo passo. Mas, para já, vou saborear cada milímetro deste!

26 de julho de 2013

Se for preciso, manda um grito e volta para dentro.

Há dias em que acordamos porque sim. Tomamos o pequeno-almoço porque sim. Depois um duche porque sim.

Saímos para o trabalho porque sim. Vá, e porque no fim do mês chegam as contas e têm que ser pagas.

Dias em que chegamos a casa à noite e só nos lembramos daquilo que correu mal. Que queremos mudar de vida, blá, blá, blá, queremos menos stresse. Menos caos à nossa volta.

E este filme devia ser visto ao contrário.

Devíamos levantar o cu da cama, ir à janela e respirar o ar daquele dia. De mais um dia. E agradecer por isso.

Acordar quinze minutos mais cedo que o habitual para pôr a mesa do pequeno-almoço e comer com calma, saboreando e lendo mais umas páginas daquele livro que nos tem feito sonhar. E agradecer por isso.

Tomar um duche sim, sentindo a água a escorrer pelo corpo, milímetro por milímetro. Cara, pescoço, ombros, peito, barriga, pernas e pés. Tocar com as mãos na água. Sentir a água nas mãos. E agradecer por isso.

Escolher a roupa que melhor nos fica. Dar uma pintadela no rosto. Ou pôr um bocadinho de rímel e um brilho nos lábios. E agradecer por isso.


Chegar ao emprego e espalhar “bons dias”, com um sorriso no rosto. Por muito que venha de lá um dia complicado e cheio de trombas de elefante, cobras venenosas, sapos para engolir, caras de osga, olhos de carneiro mal morto e macacos de imitação. E, claro, agradecer por isso.
 
Depois, chegar a casa, desligar o botão “trabalho”, ligar o “chegaste a casa, agora relaxa, sff”. E agradecer por isso.

Há dias filhos da mãe. Há pessoas, nesses dias, que nem filhos da mãe devem ser.
 
Há momentos em que focar no essencial é luta de bravos.

Mas eu já estive perto de não acordar. Já estive mais de um ano sem fome e a emagrecer. Já estive quase dois sem poder tomar um duche. Já estive quase um ano sem conseguir trabalhar. E hoje só posso agradecer por ter voltado a conseguir fazer tudo isto.

Nem todos os dias o faço. Mas há outros, como este, dias filhos da mãe, em que me obrigo a parar. Respirar fundo. E seguir em frente. Mesmo que só o faça depois de olhar para trás. E, em particular, para este “atrás”.
 
Aconteça o que acontecer, sintas-te como te sentires, nunca te esqueças disto: acorda, veste-te, aparece e, cum caraças, nunca desistas!

15 de julho de 2013

I Love Me. Do You Love You?

A vida corre tão depressa que nem nos lembramos de como somos maravilhosos. E hoje apetece-me.

Passamos o dia preocupados com os prazos para cumprir, a olhar para o relógio, em reuniões, agarrados ao telefone. A tratar dos filhos, da casa. A contar os trocos para chegar ao fim do mês. Ficamos cansados. Por vezes engolimos tantos sapos que chegamos a duvidar das nossas capacidades.

Depois há alguém que nos abre os olhos com uma palavra, um gesto, nos puxa o lustre e que nos mostra todo o brilho que temos, o que valemos.

Sou uma gaja porreira. Feitio lixado, teimosa também, mas porreira.

Amiga dos meus amigos. Mas sem lamechices pelo meio.

Fui mimada em criança, mas não sou de grandes abracinhos ou agarranços. Sou de estar lá quando é preciso. Seja para dar um beijo, um abraço. Ou uma bronca.

Não sou a pessoa mais ternurenta do mundo, talvez a vida me tenha endurecido um bocadinho, mas sei ser ternurenta quando é preciso. E depois, claro, há meia dúzia de pessoas que me inspiram mais ternura e em que gosto mais de tocar. Vá, se calhar meia dúzia é muito.

Mas isto não significa que não goste que me abracem. Só não curto exageros e “gente cola-tudo”.

Sou justa. Regra geral consigo sair da situação, olhá-la de fora, e analisar a coisa de uma forma minimamente racional. E decido “contra mim”, se for necessário.

Sou bem-disposta. Gosto de uma boa gargalhada. Mas não me rio por “dá cá aquela palha”.

Gente exagerada põe-me doente. Gente que chora demais. Gente de grita demais. Gente que bebe demais. Gente que dorme demais. Gente lenta demais. Gente eléctrica demais. Gente que come demais. Gente que ri demais. Gente trombuda demais. Gente inteligente demais. Gente burra demais. Gente que não sabe onde está o seu limite. Limite máximo ou limite mínimo. Gosto de gente equilibrada, é só isso. E, atenção que eu nem sempre sou. Tenho dias em que passo por todos os estádios acima. Por isso não são poucas as vezes que sou alvo da minha própria irritação.

Sempre soube mais ou menos o caminho que queria seguir. Da mesma forma que sempre soube o que não queria.

Por isso nunca me droguei, nunca fiz figuras tristes com a bebida - apesar de ter apanhado boas/divertidas e inesquecíveis bebedeiras - nunca arranjei problemas de maior a quem me rodeia.

Sempre me considerei uma pessoa segura. Mas sem vergonha nenhuma de assumir que tenho momentos de insegurança. Nessas alturas olho para dentro de mim e percebo que gosto do que vejo. Gosto, aliás, muito do que vejo. Acredito nas minhas capacidades e avanço. Algumas vezes com o cu apertado, mas avanço. Quando não consigo isto sozinha, vou ter com alguém que me ajude a olhar cá para dentro. Está tudo cá dentro.

Porque me lembro de tudo o que passei, e ainda passo, para conseguir sobreviver num país que não está preparado para pessoas como eu, com mobilidade reduzida.

Porque me lembro que, mesmo sentada numa cadeira de rodas, e com todas as mazelas que me marcam o corpo por causa disso, continuo a sentir-me mulher e feliz.

Porque olho para o meu percurso profissional e percebo que só alguém com garra o poderia ter feito. Ainda para mais sentada numa cadeira.

Porque olho para o meu núcleo de amigos e sinto que só as boas pessoas têm a sorte de estar rodeadas de gente assim.

Porque olho para os pinduricalhos que não gostam de mim e sinto que só as boas pessoas têm inimigos destes.

Porque olho para o espelho e continua a apetecer-me pintar o cabelo, por batom, rímel, blush, pintar as unhas com cores fluorescentes. Arranjar-me. Estar bem. Para mim e para quem que me vê.

Não sou nem vou lutar para ser perfeita, porque isso não existe. Mas não tenho dúvidas que sou uma gaja 5*. Daquelas que vale a pena ter como amiga. Como colega. Como filha. Como irmã. Como tia.

Mesmo com todos os meus defeitos, tenho um orgulho do caraças em mim e em ser como sou.

E quanto aos poucos que ainda tentam passar-me aquela rasteirinha marota, tantas vezes movidos por invejas estranhas que nunca entenderei, jamais se esqueçam: estou sentada, meus caros; não tropeço. Quanto muito passo-vos com as rodas por cima dos pezinhos.

Aos outros: acreditem em vocês. Adorem-se. Todos os dias.
 






11 de julho de 2013

Dia sim, dia não. Dia assim-assim. Mas dia.

Há dias em que choramos a rir. Em que temos que agarrar as bochechas com as mãos para que os músculos do rosto parem de doer de tanto rir. Outros em que também nos enchemos de lágrimas mas pelos piores motivos. E em que nenhuma mão nos consegue limpar o mesmo rosto.

Dias em que acordamos de manhã com uma energia que contagia. Que chega a enervar. Outros em que procuramos em todo o lado, mas a energia e vontade estão tão bem escondidas que, mesmo dando a volta a tudo, não as encontramos.

Dias em que só queremos confusão. Barulho. Gente. Conversa. Noutros, paz. E o sossego que só conseguimos na nossa companhia.

Dias em que está tudo contra nós. Ou aqueles em que estamos contra todos. E depois os outros, em que os ventos sopram a nosso favor, viremo-nos para onde nos virarmos.

Dias em que guardamos em nós toda a felicidade do mundo. E os dias em que a nuvem negra teima em não nos largar as saias. Como as crianças. E que ainda nos deitam a língua de fora, de gozo.

Dias em que acreditamos em tudo. Em que juramos que conseguimos conquistar o mundo inteiro. Noutros desacreditamos de tudo.

Dias em que desatamos todos os nós. Noutros sentimo-nos atados por eles.

Dias de dor fisica, de alma ou de coração. Que contrariam aqueles em que sentimos que podemos curar o mundo de todas as dores.

Dias em achamos que todas as nossas cicatrizes estão fechadas. Noutros em que elas se abrem com uma facilidade que assusta.
 
 
Dias em que queremos os focos virados na nossa direcção. E os outros em que só queremos estar atrás do palco, sem luzes, sem aplausos. Que não nos notem.

Dias em que o nosso umbigo é o nosso melhor amigo. Noutros em que o nosso mundo só se realiza na felicidade dos outros.

Dias em que arriscamos tudo. Outros em que davamos tudo para não ter que arriscar.

Dias em que carregamos os dias às costas. Outros em que só queríamos que os dias nos levassem ao colo.

Dias em que atacamos tudo o que não gostamos. Outros em que nada fazemos para mudar o que nos desagrada.

Dias em que não damos pelo cheiro das flores, da terra molhada, pelo cantarolar dos pardais. Noutros não nos concentramos em mais nada senão nisso.

Dias em que sentimos que só existem porque sim. Mas outros que nos fazem voar, em que sonhamos e que sentimos que não viviamos sem eles.

Dias em que fechamos os olhos e, quando os abrimos, continuamos lá. Noutros fazemos o mesmo mas, quando damos conta, já não estão lá.

Dias com tempo. Outros em que o tempo passa sem lhe pormos a vista em cima.

Dias que duram dias. Outros, apenas segundos.
 
Os dias passam. Uns melhor, outros pior. Outros, ainda, assim-assim. Só que não voltam para trás.

Podemos vê-los a passar, ou passar por eles. Vivermos ou sobrevivermos. A escolha é nossa.
 
A vida esgota-se enquanto piscamos os olhos. Por isso, vivamos. Sempre.

Abrir os olhos de manhã. Encher o peito e respirar fundo. Estar por cá. Por aqui ou por ali. Agora ou depois. Mas por cá. Sempre. E, sempre que possível, viver a melhor parte.

2 de julho de 2013

Ainda hoje, aquele prédio.

O melhor dos programas era sair porta fora, descer as escadas a correr e ir passear para o jardim do Campo Grande. Era perto da nossa casa. Bastava-nos seguir até ao fundo da avenida onde morávamos.

Aquelas estradinhas por entre árvores enormes eram sinónimo de divertimento.

Ali brincava-se. Muito e a muita coisa. Ou andávamos de patins (eu tinha uns vermelhos com rodinhas), ou íamos para as piscinas, ou andávamos de calhambeque, ou passeávamos de barco no lago, ou bastava-nos o parque infantil. Tudo nos servia. E gelados. Comíamos sempre um gelado. Perna de Pau, Super-Maxi ou Epá.

A minha brincadeira preferida era nadar nas piscinas. Andar de barco assustava-me por não ver o fundo do lago, por causa do verde das águas. Já para não falar do raio dos patos mais atrevidos, que nos vinham roubar a comida que traziamos. Depois, andar de patins nunca foi o meu forte e os calhambeques também eram um problema, porque os meus pés insistiam em se enfiarem por entre os pedais e o chão do jardim. Resultado? Ficava sempre toda negra. Por isso, o que eu mais gostava era mesmo nadar nas águas das piscinas, sempre cheias de crianças.

Ali perto, mesmo do outro lado da rua, havia um prédio velho. Degradado. Ao lado do restaurante Tatu. Onde viviam famílias pobres, maioritariamente de raça negra.

Era onde vivia a Raquel com a família. A Raquel era a minha nova colega de turma da Eugénio dos Santos. Era muito pobre. Mas eu não me preocupava. Gostava dela e eramos amigas.

Usava um carrapito no alto da cabeça, mas alguns cabelos ficavam sempre soltos por serem mais curtos, o que lhe dava um ar despenteado. Tinha a pálpebra do olho direito descaída. Dizia-se que tinha ficado assim depois da morte do irmão mais novo. Nunca soube se era verdade. Ninguém jogava ao elástico como ela. Saltava mais alto que qualquer uma de nós.

Andava sempre com roupa velha. Lavada, mas velha. Via-se que passava de irmão para irmão. Estava usada. Muito usada.

Um dia perguntou-me se a podia acompanhar até casa. Precisava de ir lá buscar uns livros. Tremi. Estava a convidar-me para entrar, pela primeira vez, naquele prédio. Que sempre me tinha metido medo de tão degradado, de tão escuro.

Mas fui. Quando começámos a subir a escada, percebi que a degradação que me habituara a ver de fora era, de longe, menor que a que se via - e vivia - por dentro. Vi bebés de fraldas de pano a brincar pelos corredores dos pisos. Cheios de ranho, despidos, sozinhos, sem adultos por perto. Entregues a eles.

Chegámos a casa dela. O cheiro não era agradável. Mas o que mais me impressionou foi a falta de paredes. As divisões estavam todas separadas por lençóis agarrados ao tecto por uns pequenos pregos.

Tinha três quartos, cozinha, casa de banho. A sala tinha sido transformada em quarto para receber mais família. Eram 5 irmãos, e não sei quantos primos. Viviam todos juntos.

Quem nos recebeu foi a mãe. Uma senhora magrinha com um aspecto envelhecido e cabelo esbranquiçado, sem dentes. Mas recebeu-me de braços abertos e com um grande sorriso. A “menina da avenida” estava lá em casa com a filha.

Levou-me à cozinha, queria que eu comesse “qualquer coisa”. Agradeci mas recusei. Não consegui, confesso.

Por cada divisão pela qual passávamos, dava com a Raquel a olhar para mim, discretamente. Senti que tentava perceber o que me ia na alma enquanto me mostrava a pobreza em que vivia. Mas eu nunca me mostrei incomodada. Fi-lo com esforço, mas tentei encarar sempre tudo o que via com naturalidade.

Para não deixar dúvidas, pedi-lhe um copo com água. Dirigimo-nos à cozinha, ela abriu o frigorífico. Estava quase vazio. Pegou numa garrafa de vidro com água fresca que deitou no copo e deu-mo para a mão. Bebi sem pestanejar. Era da torneira, sabia mal, mas não pensei duas vezes. Bebi e pronto. Agradeci com um sorriso. Que ela retribuiu. Tipo "passaste no teste".

Pegámos nos livros e saímos pelo mesmo caminho pelo qual tínhamos entrado. Volto a ver os miúdos de fraldas espalhados pelos corredores, a brincar. Continuavam sozinhos.

Naquele dia fiquei a conhecer melhor a Raquel. E ela a mim. Eramos amigas. Ficámos mais, desde que partilhou comigo aquela parte da vida, que mais ninguém da escola conhecia. E por mim não ficariam a conhecer.
 
Tínhamos uns 10 ou 11 anos. Com 13 deixei aquela escola, passei para o Rainha D. Leonor. Deixei de ver a Raquel.

Uns anos depois a Câmara de Lisboa mandou demolir o prédio onde ela vivia. Sei que realojaram os moradores mas nunca soube onde. Perdi-lhe o rasto.

No lugar daquele prédio construíram um outro, de luxo. Mas sempre que passo por lá imagino a Raquel na janela do quarto, naquele que partilhava com as duas primas.

Há pessoas que passam pelas nossas vidas e que ficam. A Raquel, por alguma razão, foi uma dessas pessoas. Mesmo que os nossos destinos nos tenham afastado.
 
Mas a vida reserva-nos montes de surpresas. Quem sabe se um dia nos voltamos a ver?