1 de fevereiro de 2013

Eu e os meus amigos animais.

Hoje vou falar-vos da minha pancada por animais. Aliás, da nossa pancada por animais. 

Desde que me lembro que sempre fizeram parte da nossa vida. E a nossa relação com eles sempre foi muito estreita.

Aos 2 ou 3 anos tivemos o Marco. Um cão preto, rafeirão. Só estávamos com ele quando íamos de férias para o Magoito, para casa dos meus tios. E, claro, chamava-se Marco. Ou não fosse esse o nome da personagem principal dos desenhos animados que víamos na altura. “Vai-te embora mamã, não me deixes aqui…”. Lembram-se? Puxa, só de me lembrar, aperta-se-me o coração.
Aos 4 anos os meus pais decidem alugar uma casa de férias ao ano na Charneca de Caparica. Para passarmos fins de semana e férias, estarmos perto da praia. Foi nessa altura que o meu pai nos apareceu com um Pequinês albino, lindo de morrer. Uma raça chinesa que, segundo diz a lenda, é o resultado de um amor entre um leão e uma macaca minorca. Este chamou-se Pantufa. Ou não fossemos nós, eu e a mana, completamente fãs dos livros da Anita.

Mas o Pantufa era um cão com o verdadeiro “feitio de cão”. Quando o chateávamos mais um bocado – e acreditem que duas crianças de 4 e 5 anos gostavam particularmente de o fazer - ele arreganhava a dentuça e mordia-nos. Mas também era um cão querido, e amigo. Aninhava-se em nós a pedir mimo.

Lembro-me do dia em ele estava a olhar para dentro da máquina de lavar e eu, do alto dos meus 6 ou 7 anos, achei por bem enfiá-lo lá dentro. Só para ver o que acontecia. A porta fechou-se e nem eu nem a mana sabíamos abri-la. E o cão lá dentro. Salvou-nos a D.Susana, a velhota do 3º andar. Lá se safou o Pantufa. Mas eu de uma bronca da minha mãe já não.

Viveu até aos 12 anos. Já cegueta e cheio de artroses. Foi feliz.

Mas a morte do Pantufa aconteceu num momento muito complicado para a nossa família e, talvez por isso, tenha tido um impacto menor dentro de nós. Estávamos em 1991 e eu tinha ficado paraplégica há poucas semanas. Só soube da morte dele uns dias mais tarde, porque estava internada no Centro de Recuperação de Alcoitão e ninguém me quis contar.

Depois do Pantufa foi a vez do Coca-Cola. E chamava-se Coca-Cola porque o pai era o Pepsi, o cão dos meus tios.

O Coca – era assim que o chamávamos para facilitar - era uma mistura entre uma Bichon e um Caniche. Por isso não tinha nem pelo liso da mãe nem encaracolado, como o pai. Era mais parecido com um desperdício, daqueles de limpar carros. O que ainda lhe dava mais graça.

O Coca era um cão maravilhoso. Amigo, carinhoso, muito bem-educado. Aliás, todos os nossos cães foram sempre bem-educados e asseados. Nunca houve nem tretas de jornais nem caixinhas tipo gatos. Cocó e chichi era na rua e eles sabiam disso. Mas aprenderam porque foram ensinados.

Mas o Coca desenvolveu problemas de coração que, a partir dos 8 ou 9 anos, começaram a agravar-se. Nós íamos controlando a coisa com a medicação necessária.

Quando ele tinha 9 anos, eu, a mana e a mãe decidimos dar uma volta nas nossas vidas. Se onde nos sentíamos bem era na Charneca, perto da praia, porque não mudar de vez para lá? Para além disso, a casa de Alvalade não tinha condições para receber a minha cadeira. Mesmo assim vivemos lá 10 anos.

Foi assim que fomos parar à margem a sul do Tejo, onde comprámos uma casa. Bendita hora. Foi nesta casa que o Coca ainda viveu o seu último ano de vida. Feliz, com os problemas de coração a piorarem, é certo, mas feliz.

Sofremos muito com o desaparecimento dele mas tomámos a decisão de ir buscar outro. Achámos que nos ia ajudar a atenuar a dor. 

Foi assim que, num belo dia de Junho, fomos ter com um criador de Goldens Retrievers a Colares, perto de Sintra. Quando lá chegámos vimos 2 Goldens adultos a correr na nossa direcção. Atrás, a rebolar, trapalhonas, 8 crias. 

Íamos morrendo de amor por todos. Mas tínhamos que escolher apenas 1. E escolhemos o mais patudo, o Gaspar. Minutos depois, um amigo que foi connosco disse-me “Marta, escolhe outro que eu ofereço-te.” O meu coração quase parou. Perguntei ao criador se estes cães podiam viver felizes num apartamento, mesmo que fosse grande como o nosso e com varandas espaçosas. Ele respondeu “esta raça não quer espaço, quer carinho.” Escolhemos uma que nos olhava fixamente, como se nos dissesse “escolham-me!”. E assim trouxemos os dois. E que fosse o que Deus quisesse! 

Demos-lhes o nome de Matilde e de Gaspar.



Os primeiros meses foram um autêntico inferno. Rodapés roídos, caquinha e chichi por todo o lado, almofadas destruídas. Mas, pelo meio, muita graça e, claro, muita paciência nossa. O olhar deles desarmava-nos. Mas acabaram por aprender rapidamente que era na rua que tinham que se “orientar”.

A Matilde era a líder. O Gaspar, o pacholas que a seguia. Ensinámo-la a dar a pata, o Gaspar aprendeu a fazer o mesmo, por observação.

Mas a sorte escapou-nos quando, num dia quente de Verão, a Matilde, gordinha por ter sido esterilizada – apesar de todos os cuidados com a alimentação – nos morre com um ataque cardíaco. Tinha 5 anos. Foi um desgosto do tamanho do mundo. Para quem entende, foi um membro da família que perdemos. 

Mas tínhamos o Gaspar. Triste. À procura da irmã. Na rua, espreitava detrás dos arbustos, onde antes costumavam brincar, à procura dela. Os dias foram passando e ele ultrapassou a tristeza com muito mimo. Mas ficou ainda mais dependente de nós.

Durante os anos seguintes, as nossas atenções concentraram-se apenas no Gaspar. Era um cão como nunca tivemos outro. Percebia o que lhe dizíamos. Acreditem ou não. Não pisava poças de água, quando chovia ia a rua à pressa e por baixo das varandas para não se molhar. Todos os dias de manhã me pedia pão seco. Só com olhar. Passava o dia deitado ao meu lado porque eu trabalhava quase 80% do meu tempo em casa. Era o meu melhor amigo. 

Sim, exactamente isso: o meu melhor amigo.



Com 10 anos, em Abril de 2012, sentimos o Gaspar mais cansado. Pensámos que era da idade mas, numa ida ao veterinário, aconteceu o pior. O Gaspar tinha um cancro, já espalhado por órgãos vitais. Quando tentaram tirar o líquido que já tinha no pulmão, foi-se abaixo. Entrou no veterinário às 13h, recebemos a notícia da gravidade da doença às 14h, e tivemos que o mandar abater às 15h.

Foi uma das decisões mais difíceis da nossa vida. Perdemos mais do que um cão ou um animal doméstico. Perdemos mais um elemento da família, um companheiro. E eu perdi o meu melhor amigo.

Tenho que confessar que ainda hoje, quase um ano depois, não ultrapassei a dor desta perda. Aliás, acho que, no fundo, ninguém aqui em casa ultrapassou. Apesar disso, já consigo olhar para as fotos dele que estão no meu quarto e sentir saudade sem chorar. Mas o coração fica pequeno e apertado. Muito apertado.

Todos os dias penso nele. E todos os dias penso nas palavras dos amigos que me dizem para arranjar outro. Mas o meu coração não me deixa. Ainda. Sou corajosa, mas para isto sou fraquita.

Talvez o tempo me abra de novo esta porta. Por agora está fechada e sinto que perdi a chave. Se a voltarei a encontrar? Não sei. Mas por agora é assim que sinto que deve ser.

Pelo meio disto tudo houve dezenas de outros animais. Tivemos caturras (o Poupas), tartarugas sem nome, peixes (lembro-me do Zebedeu que comeu os irmãos todos e cresceu para o dobro), coelhos (o Tomás), canários (Chico Manel), rouxinóis do Japão sem nome, hamsters (o Rodolfo e a Rodolfina), e sei lá eu mais o quê! 

Actualmente temos apenas uma floreira onde deixamos comida para os pardais que andam pelas redondezas. Alpista, vitaminas, água, tudo. Sem grades. Com e em total liberdade. 

Sabem onde podem vir comer sem correrem o risco de ficarem presos para sempre.

E, por enquanto, isto é tudo o que o coração da malta aqui de casa aguenta. Um dia, lá mais prá frente, logo se verá.

10 comentários:

  1. Só quem ama os animais sente a perda deles como se de um membro da família se tratasse. Tb já perdi vários e a dor ainda cá está. Podemos substituí-los mas jamais esquecemos os que partiram. bjo

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  2. É verdade Ana, por isso não me sinto preparada para ter outro. Vamos ver se o tempo ajuda.
    Bjoca e obrigada por te manteres por aqui!

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  3. Lindo texto, cheio de emoções, como sempre.

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  4. Revi-me em muito do que descreves, sobretudo quando falas do vazio que é perder o nosso grande amigo, de todas as horas! Bjs

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  5. Lembro-me tão bem do Pantufa e do Cocas... que saudades desses tempos. Bjs

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  6. Acho que estas imagens vão falar por si...

    https://www.facebook.com/photo.php?fbid=4993865817536&set=pcb.4993868857612&type=1&theater

    São duas meninas à procura de uma família 5*...

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  7. Martinha. A minha história não é igual mas vai tudo dar ao mesmo. Irremediavelmente doida por animais! Sabes que entendo bem o teu texto. A minha Natasha (samoideo) morreu, já fez em Setembro de 2012 dois anos.
    Ainda ontem disse a uma amiga enquanto dávamos um passeio pelo Cabo Espichel ... "Sem a Natasha fiquei sem parte da minha alma". Ela disse: "Raios que dramática ... não digas essas coisas". Mas é verdade. Foram 15 anos do melhor amor e amizade do mundo. Não os trocava por ser humano nenhum. E é um facto ... parte da minha alma foi-se e ainda não voltou. Hoje olho para as fotos dela com saudade e só agora ando a pensar ter outro cachorrinho. A pensar ... pois ainda não consegui arranjar coragem para concretizar.
    Há que fazer o luto, sentir saudades, chorar e recuperar.
    Entendo o teu texto como ninguém. Percebo-te ...
    Muitos beijos
    Gisela

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