21 de abril de 2013

Uma manhã de Domingo.

Do que é que se escreve quando em nada se pensa? Disso mesmo.

Hoje é Domingo e acordei cedo. Agora são umas 8h. O meu pequeno-almoço foi estupidamente pouco saudável: café e bolachas com queijo de Azeitão. Na varanda. Naquela que alguns de vocês já conhecem.
Esperei a mana sair com a Carlota para a praia. Esperei a mãe sair para o trabalho. Disse-lhes “vá, até logo”.

Não se ouve barulho na rua. Ainda é cedo e, ao Domingo, esta malta acorda mais tarde.
A não ser o vizinho do prédio do lado que, equipado a rigor, sai para o seu jogo de futebol com a grupeta do costume.

Também já estacionaram aqui no parque em frente 3 carros com gente que aproveita os trilhos do pinhal para andar de bicicleta. Param, tiram as bicicletas dos tejadilhos e, artilhados até aos dentes, seguem.
Seguem eles e, pelo mesmo caminho, seguem aqueles que fazem este percurso pela fresca. Uns a andar, outros a correr. Novos e velhos. Sozinhos, ou em grupo. O mais chiques, com o seu personal trainer.

O silêncio da rua é quebrado, por minutos, pela vizinha do prédio da frente, que sai com o miúdo ao colo, numa tremenda birra. É dia de o levar à natação. Dá-me ideia que, se ele pudesse escolher, não ia.
Os senhores do lixo chegam cedo. Antes das 8h já andam a despejar caixotes. Reparo que hoje é tudo automático, com joystick. No meu tempo era à mão, com o esforço e o suor de cada um deles.

Lá ao fundo, no pinhal, os corvos e os melros saltam de copa em copa e soltam sons que chegam até aqui, à minha varanda. Deve ser bom. Ser livre e ter apenas duas preocupações: encontrar comida e voar.
As andorinhas já chegaram às nossas varandas há uns dias e passam o tempo a sobrevoá-las e a picar os ninhos. É um entra-e-sai constante.

Com tudo isto já são 9h30 e alguns vizinhos começam a acordar. Já se ouvem os barulhos dos pratos a serem postos nas mesas para o pequeno-almoço. E também já se sente o cheiro das torradas. Cheiro que se mistura com o dos pinheiros.
Ouvem-se as mães a refilar com os filhos, que teimam em não lhes obedecer. “Sai da cama. Daqui a bocado chegam os teus avós e ainda estás nisto, Manel!”.

Os canitos começam a ir à rua. Os donos cruzam-se, dizem, “bom dia”. E, no meio deles, lá está o Mike, a ladrar feliz e a correr pelo trilho que o leva ao pinhal. “Mike, para aí não”, diz o dono. E lá vem o desgraçado do Mike, resignado, mas vem. Entra no porta-bagagens do dono e lá vão eles. Giro, leva sempre o cão com ele. Todos os dias. Um dia pergunto-lhe para onde.

Também me cheira a roupa lavada. Que a minha mãe estendeu antes de sair de casa.

O “gato vadio e coxo” cá da rua, que entretanto acordou e se esfregou na terra, põe-se em sentido à frente da janela da enfermeira do prédio ao lado, à espera que ela acorde e a abra, para por ali poder sair o seu amigo “gato amarelo”. Como sempre. E passam o dia juntos. No laréu.
Com isto já são umas 10h. Agora sim, as portas dos prédios abrem-se com mais frequência. Uns vão ao pão, outros para a praia. A vantagem de viver perto da praia é esta. Acordamos, vamos às varandas e sentimos de imediato se o tempo está de feição. Quando morava em Lisboa não tinha esta sorte. Muitas vezes arriscávamos. Aqui temos sempre a certeza.

Mas eu hoje decidi não ter programa. Decidi acordar e ficar o dia por casa. Sem horas. Sem obrigações. Sem ninguém. Passei a semana a sonhar com este dia. Só me conseguiram convencer a sair mais logo para ir ver a bola ao restaurante aqui da rua. Entre sportinguistas e benfiquistas, petiscos e nervos, o serão promete. A coisa anda preta mas, como boa sportinguista que sou, vou cheia de fé.
Também é dia das senhoras do lar de velhotes aqui da rua levarem os que não recebem visitas a dar um pequeno passeio a pé. " Vá, é só uma voltinha ao quarteirão, D.Joaquina”, diz uma delas. “Ai não menina, que isso é muito! As minhas pernas já não aguentam.” A rapariga responde “olhe D. Joaquina, como dizia o outro há uns dias na televisão, ai aguenta, aguenta”. Riem-se. E lá vão.
Nisto reparo que passam 2 senhoras numa carrinha e param perto do caixote do lixo. Procuram aquilo que alguns não querem, deitam fora e que elas aproveitam para reciclar. Neste caso, levam um armário velho que estava lá desde ontem à noite.

De tempos a tempos, passa o autocarro e pára na paragem. Confesso que não percebo porque raio os autocarros têm que passar por aqui. Raramente alguém entra ou sai! Só muito de vez em quando se vê um casal de velhotes entrarem lá dentro. Mas enfim. O ritual do motorista também não muda muito. Aproveita a pausa para falar ao telemóvel e, enquanto o faz, dirige-se a um canto do parque de estacionamento, por detrás de um pinheiro, para um chichi. Belo ritual. Também temos uma senhora motorista. Mas esta não sai do autocarro. Prefere ficar a ler a revista cor de rosa que conta o que se vai passar nas novelas de logo à noite.

Já são 11h e ouvem-se estores a abrirem–se. Agora sim, por todo o lado. O sol já abriu por completo. A brisa da Primavera já se começou a fazer sentir. Os pássaros estão ao rubro e cantam que se desunham.
Saem as famílias para passear. Ou chegam os avós. Uns cheios de sacos de plástico. Outros com aqueles que se compram no Pingo Doce e no IKEA. Trazem o petisco para o almoço e, muitas vezes, a sopa para a semana dos filhos. Trazem a ajuda que podem.

(suspiro e aproveito para respirar fundo)
A minha rua está, finalmente, a acordar. Eu já o fiz há umas horas. E pouca coisa me dá tanto prazer como sentir o seu silêncio e seguir os seus hábitos. Desde cedo, enquanto ainda dorme, até abrir os olhos por completo e sair da cama.
Sei bem que a minha rua é igual às outras todas. Mas, como a maioria faz, eu não quero limitar-me a viver apenas nela. Prefiro observá-la atentamente sempre que posso. De onde se vê tudo tão bem. Cá de cima, da minha querida varanda.

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