Mas a gaita é que esta vontade não anda acompanhada da necessária inspiração. Quando dou por mim estou a olhar para todo o lado para ver se a encontro.
Sobre o que é que
hei-de escrever?
Penso em escrever
sobre os meus dias de trabalho, de como correm, de como faço para que corram
bem. Mas nem sempre correm e lá se me vai a inspiração.
Vou à minha
varanda, olho para o meu pinhal, respiro fundo, mas vontade de escrever que é
bom, nada.
Leio poesia que
me enche o coração mas não dou o passo seguinte.
Chego a casa, ao
meu canto, ao lugar onde posso estar-como-me-sinto, mas o cansaço ganha espaço
e dou por mim apenas com dois objectivos: comer e ir dormir.
Ligo a televisão
e só vejo desgraças. São atentados, mais corrupção, novas medidas de
austeridade. Mais tarde, novela atrás de novela ou programas que deviam envergonhar
qualquer ser humano minimamente normal. Reality shows. Que dão audiência,
trazem publicidade, pagam ordenados, mas que alimentam a burrice extrema de
quem a vê. E há assustadoramente muita gente a ver.Chego à cama, pego no livro que fala de amor e acho-o uma verdadeira seca. Passo para o outro, que fala de crime, e não me prende. Por último, pego naquele que me deram com tanto carinho, mas que em cada frase preciso de recorrer a um dicionário, de tão complexa que é a escrita. E, mais uma vez, desisto.
Apago a luz. Viro-me
para o outro lado e ligo a aparelhagem. Apanho uma rádio qualquer que passa uma
música antiga. Uma música que me transporta para outros anos. Aqueles anos em
que a minha maior preocupação era tirar notas razoáveis, divertir-me e namorar.
E relembro-me de quão maravilhosos foram esses dias. E que bem que os
aproveitei.
Também foram
duros, é certo, porque apanharam a fase em que fiquei de cadeira de rodas. Mas
tiveram o lado importante por terem sido anos que me tornaram naquilo que sou
hoje. Com todas as qualidades e defeitos que trago em mim. Lembro-me dos amigos que fiz na altura, mas também dos que perdi. Talvez um dia ainda os recupere.
A música teve sempre
um papel fundamental na minha vida. Acompanhou-me nos dias tristes, nos dias
felizes, nos dias de paixão, nos dias de discussão.
Quando era
pequena, passava para o papel as letras das músicas enquanto as ouvia. Mas como
ainda não sabia falar inglês, escrevia-as como me soavam. Play, pause, escreve o
que percebeste, play, pause, volta a escrever o que percebeste. E assim
aprendia a letras todas. Aldrabadas mas aprendia. Pelo menos a cantá-las.
Quando comecei a
namorar, gostava de o fazer ao som de música. Por isso, há montanhas de músicas
que marcaram momentos. E também por isso, quando as oiço, a minha cabeça vagabundeia
por esses momentos.
Acho que sou uma
sortuda por conseguir viajar através da música. A sensação de reviver o que já
passei, é fantástica. É só minha.
A música termina. Começa outra que nada me diz. Aliás, hoje continuo a ouvir muita música mas não me marca
especialmente. Pelo menos não me marca como me marcava noutras épocas. A
adolescência é mesmo assim, acho eu.
Desligo o rádio e
vejo os emails no telemóvel. Invariavelmente entram alguns de trabalho que me
esforço para responder apenas de manhã. Não quero ninguém habituado a ter
respostas minhas a horas tardias.
Navego no Facebook
e encontro de tudo. E há dias em que tudo me irrita um pouco. Mas outros em que
nada me irrita nem um bocadinho. Sinto-me lamechas nuns, fria noutros.
Começo a achar que há um pouco de bipolaridade em mim. Ou talvez esteja apenas
cansada.
Já é tarde e
amanhã acordo cedo para ir trabalhar. Olho para o lado e está tudo como gosto:
em cima do puf a roupa preparada para o dia seguinte, peça por peça. Em cima do
armário, a catrefada de cremes, perfume e tudo o que ponho em cima depois do
duche que me acorda. Ao lado, os brincos, o anel e o relógio decidido para
aquele dia. Sou mesmo assim: para uns, organizada, para outros, uma seca. Mas,
assumo, concordo que sou um bocado organizada a-atirar-para-a-seca.
Não me passa pela
cabeça fazer como tanta gente que conheço faz, que decide tudo no próprio dia,
de manhã, dependendo do mood com que acorda. Prefiro ter tudo pronto de véspera
para poder acordar devagar, tomar o pequeno-almoço devagar, arranjar-me devagar.
Começar o dia devagar. O dia vai forçosamente acelerar, quero aproveitar enquanto
isso não acontece.
Está tudo no
lugar. Na sala está a minha mãe, que ainda vê televisão. Depois oiço-a a desliga-la
e a vir fechar-me a porta do quarto. Nessa altura já estou 80% lá e 10% cá.
Ainda oiço, mas já tudo ao longe.
Estou debaixo do edredom,
rodeada de almofadas. Nos lençóis, o cheiro do amaciador da roupa. Flores.
Sinto-me confortável, no meu canto. Mas como sou complicada por natureza, ao
sentir este conforto, lembro-me imediatamente de quem não o tem, sentindo até uma
espécie de culpa por estar ali assim, tão bem...
Faço um esforço e
tento esquecer-me disto porque preciso de dormir. Amanhã é mais um dia. Um dia
novo. Mais um dia em que me cabe grande parte de fazer com que corra bem. Mais um dia em que, quem sabe, farei a diferença. Em mim ou em alguém que me rodeia. É uma grande responsabilidade. Por isso vou dormir. Para que, se isso acontecer, eu esteja à altura. De mim, que mereço o melhor, ou dessa pessoa, que pode muito bem merecer o melhor de mim.
Até amanhã. Durmam bem.
Olá Marta, bom dia!
ResponderEliminarEntão é assim o teu compromisso com os teus leitores, diz algo como este teu espaço ser um lugar aonde escreves sobre ti, as coisas que gostas e desgostas e também sobre o tudo e sobre nada.
Gostei do que escreveste e apesar de não te aperceberes fazes sempre a diferença pq nem todos escrevem como tu e na forma como escreves.
Curti a parte da música, conheço pessoas que são como descreves, parece q têm sempre uma história para contar a cada musica que escutam na rádio. Mas é fixe eu curto isto. Até pq tb gosto de muita música. É bom poder ligá-las a histórias que mesmo que triviais serão sempre únicas pq são contadas na primeira pessoa...
E pronto até ao próximo.
:), obrigada Bruno, és um seguidor muito simpático!
ResponderEliminar