10 de junho de 2013

Obrigada amor da tia.

Hoje, sem razão nenhuma em especial, lembrei-me do período pós septicémia, já em casa. Safa, mas ainda com muito para recuperar. Acamada.

Não podia sentar-me na cadeira porque a cirurgia que me tinha retirado a cabeça do fémur, entretanto destruída por uma bactéria, ainda estava fresquinha.

Durante o dia via televisão, lia e controlava como podia o trabalho à distância, via computador.

Mas ao fim da tarde, quando a Carlota chegava do infantário, o meu dia ganhava outro sentido. Aí estava ela, feliz, barulhenta. Entrava no meu quarto a rir, dava-me um beijo, sentava-se no chão, ao lado da minha cama. E ali ficava a brincar.

Começava por olhar para a aparelhagem que estava em cima da minha mesa-de-cabeceira e dizia “Muca, muca!”. Queria ouvir música.

“Olha a bola Manel”, “Atirei o pau ao gato”, “O balão do João”. E todas cantadas por ela, à maneira dela, que me derretia. “Oiá bóia Maneli” era a minha preferida.

Quando me via no computador dizia “cookie monster”. Era altura do site da Rua Sésamo e de jogar os jogos do Monstro das Bolachas. O monstro falava com a sua voz cavernosa e ela partia-se toda em gargalhadas. Maravilhosas gargalhadas que espero lembrar-me para sempre.
 

Outras vezes pegava no telefone fixo e simulava uma conversa com alguém. Digo “com alguém” porque nunca percebi uma palavra. E, claro, era sempre a refilar com esse alguém, não tivesse ela a quem sair.

Não podia ver uma caixa de creme Nivea. E como sabia que tinha sempre uma no balcão da casa de banho, ia lá de fininho, trazia-a para perto de mim e dava-ma para a mão. Queria que lhe pusesse uma noz de creme na ponta do nariz.”Tia, no naís”, dizia-me a apontar com o dedo gordo e a rir. Mentira. Queria era que eu a enchesse de creme. Cara e mãos. E, claro, eu enchia, e ela a mim. Mais uma vez, vinha dali aquela gargalhada encantadora. Depois enfiava-se debaixo do meu edredon, tapava a cabeça e dizia “tapa, tá piu!”. Está frio, dizia ela…

Foi uma das melhores fases da Carlota. Era Verão, ela andava coradinha do sol, cabelo cheio de caracóis loiros, sempre maravilhosamente desalinhados. Simplesmente irresistível...E sempre com a chucha agarrada a um lenço e a fralda atrás. “Chucha e a fauda”, como ela dizia.

Foi uma das fases mais difíceis da minha recuperação. Mas aqueles fins de tarde quentes, na companhia da Carlota, sempre no meu quarto, que durante um longo período de tempo foi o quarto das brincadeiras dela, foram inesquecíveis. De bons. Sabia que estava ali uma amiga para sempre.

Obrigada, amor da tia. Não é por seres um bocadinho minha, mas és um espectáculo!

2 comentários: