Não podia sentar-me na cadeira porque a cirurgia que me tinha retirado a
cabeça do fémur, entretanto destruída por uma bactéria, ainda estava
fresquinha.
Durante o dia via televisão, lia e controlava como podia o trabalho à distância,
via computador.
Mas ao fim da tarde, quando a Carlota chegava do infantário, o meu dia
ganhava outro sentido. Aí estava ela, feliz, barulhenta. Entrava no meu quarto
a rir, dava-me um beijo, sentava-se no chão, ao lado da minha cama. E ali
ficava a brincar.
Começava por olhar para a aparelhagem que estava em cima da minha mesa-de-cabeceira
e dizia “Muca, muca!”. Queria ouvir música.
“Olha a bola Manel”, “Atirei o pau ao gato”, “O balão do João”. E todas
cantadas por ela, à maneira dela, que me derretia. “Oiá bóia Maneli” era a
minha preferida.
Quando me via no computador dizia “cookie monster”. Era altura do site da Rua
Sésamo e de jogar os jogos do Monstro das Bolachas. O monstro falava com a sua
voz cavernosa e ela partia-se toda em gargalhadas. Maravilhosas gargalhadas que
espero lembrar-me para sempre.
Outras vezes pegava no telefone fixo e simulava uma conversa com alguém. Digo
“com alguém” porque nunca percebi uma palavra. E, claro, era sempre a refilar
com esse alguém, não tivesse ela a quem sair.
Não podia ver uma caixa de creme Nivea. E como sabia que tinha sempre uma
no balcão da casa de banho, ia lá de fininho, trazia-a para perto de mim e
dava-ma para a mão. Queria que lhe pusesse uma noz de creme na ponta do nariz.”Tia, no
naís”, dizia-me a apontar com o dedo gordo e a rir. Mentira. Queria era que eu a enchesse de creme. Cara e mãos.
E, claro, eu enchia, e ela a mim. Mais uma vez, vinha dali aquela gargalhada
encantadora. Depois enfiava-se debaixo do meu edredon, tapava a cabeça e dizia “tapa,
tá piu!”. Está frio, dizia ela…
Foi uma das melhores fases da Carlota. Era Verão, ela andava coradinha do
sol, cabelo cheio de caracóis loiros, sempre maravilhosamente desalinhados. Simplesmente irresistível...E
sempre com a chucha agarrada a um lenço e a fralda atrás. “Chucha e a fauda”, como ela dizia.
Foi uma das fases mais difíceis da minha recuperação. Mas aqueles fins de
tarde quentes, na companhia da Carlota, sempre no meu quarto, que durante um
longo período de tempo foi o quarto das brincadeiras dela, foram inesquecíveis.
De bons. Sabia que estava ali uma amiga para sempre.
Obrigada, amor da tia. Não é por seres um bocadinho minha, mas és um espectáculo!
Que delicia !!!!!
ResponderEliminarEsse Amor de Tia/Sobrinha é Fantástico.
ResponderEliminar