22 de junho de 2013

Porque não quero esquecer.

À hora do lanche fazíamos refresco de café e panquecas. Ou tostas mistas cheias de queijo que, de ser tanto, saía por todos os lados, derretido. Eram maravilhosas. Ainda consigo sentir o sabor do queijo na minha boca.

O refresco de café, continuo a beber todas as manhãs. E as panquecas ainda hoje me acompanham. Aliás, a que acabei de comer fez-me viajar no tempo e voltar àquelas tardes em casa, com a mana, depois das aulas terminarem. Hora da do lanche mas também da brincadeira.

Na altura não havia Barbies, havia Tuchas. Depois passámos para os bonecos carecas, uns bonecos do tamanho de um bebé real que a mãe nos trouxe de uma viagem a Paris. O Pedrito e a Sarita.
 
Eramos muito miúdas. Eu devia ter uns 8 ou 9 anos e a minha irmã 10 ou 11. Ou menos.

 
Sempre partilhámos o quarto. Dormíamos num beliche. Ela em cima, eu em baixo. De vez em quando, durante a noite, a mana lá me engatava para ir para a cama dela.

Começava a subir as escadinhas mas às tantas parava, olhava para a minha cama e - coisas da idade – de repente, ela ganhava olhos. Que me fitavam, tristes, por me verem ir dormir para a cama de cima. Aquilo era completamente superior a mim, por isso voltava para baixo e enfiava-me novamente lá dentro.
 
Mas a minha relação com a minha cama trazia-me outro "grande" problema. Todos os dias, quando estava quase a adormecer, imaginava bruxinhas a mexerem-me nos pés. Por isso, e porque aquilo me incomodava mesmo, todos os dias punha os pés para fora da cama por uns minutos, os suficientes até sentir que as bruxinhas já se tinham ido embora. E assim foi durante uns tempos. Entretanto foi passando. Fui crescendo…

 
Depois foi a vez dos carros passarem a “olhar para mim”… Gostava deles pelo “ar” dos faróis. Os redondos eram "queridos", os rasgados os "maus". E assim me divertia durante as viagens que fazíamos com os nossos pais. Com isso e a dizer adeus aos passageiros dos carros que vinham atrás do nosso. Quem respondia era presenteado com dois mega sorrisos, meu e da mana. Quem não reagia recebia de volta duas caretas e duas línguas de fora. E nós um ralhete da nossa mãe, sempre que se apercebia do que tínhamos acabado de fazer. Mas apercebia-se poucas vezes, nós eramos crianças...discretas!
 
E os cheiros…Os cheiros também foram importantes na minha infância. O do chão encerado dos corredores do João de Deus. O do leite que nos davam ao lanche, que me agoniava, tal como hoje. O do perfume Chloé, que a minha mãe trazia de fora, por ainda não haver em Portugal. Ou o dos frangos assados da rua dos restaurantes da Feira Popular.

Pena tenho eu de já não ter Tuchas para brincar. Ou a Feira Popular.

As bruxas que me mexiam nos pés durante a noite passaram a aparecer-me durante o dia. Mas já não me assustam.

Leite, esse, nem vê-lo. O Chloé até veio para Portugal, só que se esqueceu do seu verdadeiro cheiro em Paris.

Continuo a dizer “adeus” a quem bem me trata e a “fazer caretas e a deitar a língua de fora” quando fazem o contrário. Mas agora com aspas.

E o melhor de tudo: hoje comi uma panqueca igual à que fazia aos 8 ou 9 anos.

Afinal, já que temos que crescer e temos, enquanto guardarmos as nossas memórias de infância dentro de nós, a vida é muito mais colorida. E, no meu caso, saborosa. Literalmente.
 


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