8 de junho de 2013

Saúde e Amigos. What else?

"A todos os que sofrem e estão sós, dai sempre um sorriso de alegria. Não lhes proporciones apenas os vossos cuidados, mas também o vosso coração."

Madre Teresa de Calcutá

Passei a semana no hospital a acompanhar a minha mãe numa cirurgia.

Garcia de Orta. Conheço aqueles corredores como as palmas das minhas mãos. Sei como chegar ao bloco operatório sem ser pelo caminho que todos fazem. Sei onde estão as máquinas de café usadas pelo pessoal do hospital. Sei como chegar até à farmácia. Sei andar nos elevadores de serviço. Sei entrar nas urgências sem ter que passar pelo segurança. Aprendi isto tudo durante os meses em que estive lá internada.
Foram muitas as vezes que tive que sair do quarto, sempre na cama, para viajar por aqueles caminhos secundários até chegar às salas onde me esperavam técnicos de todos os tipos de exame. Desde RX, Ecografia, passando pela TAC, Ressonância Nuclear Magnética, até à complexa Cintigrafia Ósseas. Papei todos.

Aprendi todas as rotinas. Sabia a que horas me davam a última medicação do dia e a primeira da manhã. Sabia as horas das mudanças de turno. Sabia quando morria alguém no serviço. O que não via com os olhos, aprendi a sentir com o coração.
Naquele dia cheguei à urgência do hospital com febre e mal disposta. E com pouco mais de 40 quilos. Levava vestidas umas calças de ganga e o camisolão de riscas que costumava usar em casa. Não me apeteceu vestir outro quando saí.

Pedimos uma maca. Precisava de me deitar. Fui atendida muito rapidamente. Fizeram-me análises. Esperei, sempre com a minha mãe ao meu lado.
Enquanto esperava, lembro-me de ter passado um polícia, que estava ali a acompanhar alguém que tinha ficado ferido num assalto . Olhou para mim, viu-me enfiada debaixo do lençol, só com a cabeça de fora. E a chorar. Parou e disse-me “uma cara tão linda e a chorar…? Isso não pode ser…” Sorri-lhe com esforço. Sentia-me demasiado em baixo para mais que isso.

Vieram as análises e com elas o Dr. Nuno. Aproximou-se da minha maca, pegou-me na mão, olhou para a minha mãe e disse “a Marta está com os indicadores de infecção muito altos e vai ter que ficar connosco para conseguirmos perceber de onde vem disto. A ferida que tem na nádega é uma hipótese e temos mesmo que debelar esta infecção.” Foi nesta altura que aprendi o que era a Proteína C Reactiva.
Chorei mais um bocadinho, mas sentia-me tão mal que tudo o que queria era que me ajudassem a sair daquela situação. “Sim, eu fico.” disse eu.

Subi ao piso 4, Cirurgia II. Fiquei no primeiro quarto à direita, na cama encostada à janela. Foi a minha casa nos 2 meses seguintes. Até que me passaram para o quarto 27. Isolado. Onde ficam os “infectados”. Os que podem não sobreviver. Perguntaram-me se me importava de estar sozinha. Respondi que não, que preferia. Não por estar triste, apenas porque não gostava mesmo de partilhar aquele espaço. Que, por esta altura era o mesmo que partilhar toda a minha intimidade, uma vez que não saía da cama para nada. Mesmo.
Tive dias em que chorei como uma condenada. Mas a verdade é que tive outros em que me ri que nem uma perdida. Quando tive fome, comi sardinhas assadas, bitoques, pregos no pão. Caracóis e McDonald`s. Mas no início tive fome poucas vezes.

Durante o dia a febre cedia, mas ao fim da tarde, voltava a atacar. Mau sinal.
Lembro-me de raramente estar sozinha, de ter quase sempre a companhia de uma auxiliar, uma enfermeira, um médico. Ou de todos ao mesmo tempo. Não para me tratarem, mas porque começávamos a conversar e perdíamos o tempo. Enquanto ali estive internada, fiz amizades para a vida.

Lembro-me de um dos médicos me pedir para ir falar com a doente do quarto ao lado. Para a tentar animar. Uma miúda de pouco mais que 15 anos que, depois de uma infecção, teve que cortar partes dos membros, superiores e inferiores. Quase não falava com ninguém. Porque havia de falar comigo? Mas falou. Pouco, quase nada sobre o que lhe tinha acontecido, mas falou.
Anos mais tarde vi-a com o pai, já com próteses, feliz, no paredão da Costa, a andar. Uma vencedora. Chamava-se Carla.

No dia em que finalmente tive alta, depois de tantos meses, apenas com semanas de intervalo, chorei. Porque deixava ali as pessoas que me devolveram a vida. À vida. Porque tinha medo de sair de perto delas e de me sentir malde novo.
Elas também choraram. Mas também de felicidade, penso. Afinal eu tinha entrado ali a 18 de Janeiro, a dar as últimas, e agora estava a sair de lá ainda com um longo caminho a percorrer mas, finalmente, com a esperança de uma vida pela frente.

Esta semana voltei passar à porta do quarto 27. E a encontrar estas pessoas. Pessoas que passaram a fazer parte da minha vida. Pessoas que, mais uma vez, me ajudaram. Que me receberam com um abraço. Como aquele que me deram quando me viram sair. Com a saúde que elas me devolveram. Com os seus cuidados médicos, mas também com o carinho diário.
Por muitos anos que viva, e que fique claro que tenciono viver muitos, não vou esquecer o que sofri naquele quarto, naqueles corredores. Mas, mais do que os maus momentos, vou sempre preferir agarrar-me aos bons e a tudo o que aprendi ali. Do que ganhei. Que não foi pouco. Saúde e amigos. Afinal, o que é realmente importante.

5 comentários:

  1. Boa noite,

    Talvez devesse começar por pedir-lhe desculpa.

    Talvez seja um acto egoísta ler as suas crónicas porque ao lê-las consigo entender-me "por procuração", visto que parecemos ter algumas experiências, e mundividências, bastante semelhantes. Simplesmente tudo está tão acumulado cá dentro que nada flui como parece fluir da sua caneta (ou teclado!). Assim ao ler o que escreve consigo encontrar o sentido de muitas coisas, e isso consegue ser imensamente libertador. Talvez um dia o faça naturalmente e sem "proxies"!

    Até lá, e muito sinceramente, espero que tudo se resolva pelo melhor com a sua mãe.

    Obrigado.

    P.

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    1. Obrigada!

      Fico contente que se reveja nas minhas palavras. Espero que elas lhe façam bem!

      Bjinho,
      marta

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  2. Caríssima Marta,
    Venho de novo à carga uma vez que não houve 'feedback' ao que lhe falei e anexei no post anterior, sobre aquela terapia (auto-hemoterapia). Não é meu intuito impor seja o que for, só me senti na obrigação de lhe dar conhecimento dela, através do link do 'recantodeletras', pois é de alguém que padece de idêntica deficiência e que muito beneficiou com o seu uso. Para além desse facto tem algo mais em comum. Uma personalidade deveras positiva, alegre, luminosa, para além de ser escritora e poeta. Mais não adianto pois por si própria poderá constatar, como lhe disse. Aproveito aqui para lhe adiantar informação complementar que entretanto coletei,quanto à pessoa que lhe indiquei, a enfermeira Guida Massano. Para além do tlm e email que consta no link que mandei, encontrei um dos locais aonde trabalha, Karma Clinic, que fica na Pr. Francisco Sá Carneiro, aí em Lisboa. E pronto. Quanto a esta postagem constato que as provações continuam e as recordações também. O facto de ter assim queda para a escrita decerto estará contribuindo para se ir limpando dos resquícios traumáticos que tais experiências sempre acarretam. Assim continue, pois. Que a Luz que emana continue sempre viva e actuante pelos muitos anos que ainda tenciona andar por aqui. (conforme atesta!)
    Álvaro Barria Maio

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    1. Caro Álvaro,

      Vi o seu último post mas ainda não tinha tido tempo de o comentar.
      Em primeiro lugar agradeço a preocupação. Conheço a técnica mas nunca precisei de a utilizar.
      Mas não terei qualquer problema em fazê-lo, caso venha a precisar, assim os meus médicos concordem.

      Mais uma vez, obrigada e seja bem vindo por aqui.

      Marta

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    2. Caríssima Marta,
      Obrigado pela resposta. E já agora, permita-me algumas palavras. Lamento que diga nunca ter necessidade de usar essa terapia, quando ela consiste em reforçar de modo absolutamente natural e sem quaisquer efeitos secundários, o sistema imunitário, com a ajuda do próprio sangue e em sua consequência potenciar todo o organismo ficando em condições de suportar melhor as quebras provocadas pela ingestão de drogas ou demais tratamentos invasivos. Quanto à concordância dos médicos, era óptimo que isso acontecesse, e tentar não custa, mas infelizmente não creio que aconteça, pelo menos enquanto persistir este 'sistema de saúde', pois, como lhe disse e poderá constatar na farta matéria que há disponível, eles (pelo menos a grandessissima maioria) não está interessada na divulgação e consequente uso generalizado de tão simples e benéfica terapia, pelos motivos óbvios que não custará suspeitar. E depois estará assim tão dependente deles que já não tenha arbítrio próprio! Aconselho-a a ler, se ainda o não fez, o depoimento que lhe mandei. Essa senhora, advogada e também paraplégica, não precisou de nenhuma autorização dos seus médicos, para a usar e em sua consequência muito ter beneficiado. E são 1308 os comentários que esse incrível depoimento tem, a maioria congratulando-se pela sua atitude e ousadia e muitos outros atestando a sua enorme e garantida eficácia.
      E por fim, apesar de considerar que o ideal é ser praticado por profissionais de enfermagem, arrisco-me mesmo a dizer que até a podia fazer em casa,com a ajuda de familiares. Aqui não sei mas no Brasil há imensos casos documentados de familias que se tratam desse jeito, sem testemunho de qualquer problema, só benefício comum.
      E pronto, desculpe-me mais este desabafo, mas não leve a mal, é só porque lamento o descaso de que algo tão simples e benéfico tenha tanta dificuldade em ser aceite e o seu uso generalizado por todos os estabelecimentos de saúde e logo nestes tempos que serviços essencias até estão a ser fechados por este interior adentro, deixando sem cuidados de saúde tanta gente deles necessitada. Não é panaceia para todos os males, obviamente, até porque é coisa que não existe, mas sim precioso complemento a todas as práticas de saúde, pois elas existem (ou deveriam existir ) para nosso benefício. Há que tirar partido das que melhor nos favoreçam e ajudem. E isso depende exclusivamente de nós. Os médicos são imprescindíveis quando a situação de saúde assim o exigir e devemos estar-lhes sempre agradecidos, mas quem responde pela nossa saúde somos só nós! Por isso, avante, Canária Destemida!
      Aceite um beijo de quem tem idade para seu seu pai.
      Álvaro Barria Maio.

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