1 de janeiro de 2014

Dois galhetões era pouco

Nada como encerrar um ano a fazer uma coisa que nunca tinha feito: entrar no novo no meio da rua, rodeada das 3 pessoas mais importantes da minha vida.
 
Foi o que aconteceu. E, assim, este ano foi tudo para a rua!
 
Depois de jantarmos num espaço que nos fez viajar até ao mundo das artes de outros tempos – Martinho da Arcada – seguimos para onde a música falava mais alto.
 
O Terreiro do Paço é a praça mais bonita de Lisboa. Agrada-me aquela simetria. A luz. As histórias que ali se viveram. E o rio ali tão perto.
 
Estava animada, cheia de gente. 5 em cada 10 mulheres tinha uma bandolete com um laçarote de luz. Bom negócio para os comerciantes da zona. Na sua maioria, indianos. E um efeito fantástico, visto de longe.
 
Em ambiente de festa, não poderia faltar a barraquinha das farturas e dos churros, sempre à pinha.
 
À medida que 2013 se aproximava do fim, a praça ia enchendo. Principalmente de jovens. Isso é bom? Seria, se esses jovens tivessem as cabecinhas no lugar. Não precisariam de ter todo o juízo do mundo, porque a idade ainda não lhes permite. Só algum.
 
Por todo o lado, aos milhares. Por todo o lado, quase todos com garrafas de plástico de litro, que dentro transportavam um líquido escuro, que não consegui distinguir se era vinho ou outro tipo de álcool. Garrafas que, muitas vezes, eram garrafões de 5 litros.
 
Dei por mim parada, a olhar à minha volta, incrédula.
 
Poucos estavam apenas “alegres”. A maioria estava completamente bêbeda. Muitos só se aguentavam em pé graças à ajuda dos amigos, outros já no chão, à espera que os bombeiros os levassem ao hospital.
 
A poucos minutos de receber o ano, gritos histéricos por todo o lado. Movimentos loucos, sem nenhum respeito por quem estava à sua volta. Pessoas como eu, de cadeira de rodas, vi algumas, muitas crianças. Ou apenas pequenos grupos que a única coisa que queriam era ver o fogo-de-artifício numa boa, com a família mais próxima.
 
Estes miúdos conseguiram tornar aquele num momento, no mínimo, perigoso. Num momento que, devido a algum descontrolo, conseguiu pôr em causa a segurança de todos. Deles e dos outros.
 
Vimos o fogo-de-artifício, bebemos espumante e depois percebemos que era altura de sair dali.
 
Com o trânsito fechado desde o Cais do Sodré, restava-nos ir a pé até lá.
 
Chegar às arcadas não foi fácil. Fazer o caminho até à estação também não. E agora não por causa da multidão descontrolada, que entretanto foi dispersando, mas porque por todo o lado se viam adolescentes encostados às paredes, a vomitar as entranhas. Um cenário verdadeiramente miserável.
 
Os olhos que vos contam isto não são os olhos de uma careta. Durante anos saí à noite. Fiquei “alegre” dezenas de vezes. Mas nunca assim. Jamais assim, degradante. Situação, no limite, perigosa até para eles.
 
 
A Carlota assistiu a tudo. À medida que fazíamos o percurso até ao Cais do Sodré, via-se nos olhos dela a rejeição pelo que se passava à sua volta. Perguntava “mas porque é que estes miúdos se deixam ficar assim?”. Respondi-lhe que aquilo era tudo o que ela não deveria fazer quando fosse mais crescida. Que devia divertir-se ao máximo - como eu e a mãe fizemos – mas que não precisava de ser assim.
 
Quando chegámos à estação, liguei para o nosso táxi. “Miguel, tire-nos daqui que, a partir de agora, isto é uma selva”.
 
Ao nosso lado, enquanto esperávamos por ele, uns vomitavam, outros sentavam-se no chão, indiferentes ao molhado da chuva torrencial. Entre um barril de cerveja onde regularmente enchiam os copos de plástico e conversas em que 3 em cada 2 palavras eram “c@£§€{##&%”, “f”#$%%&”, e “f”#$%&/ da p”#$%&”. Uma tristeza para a alma de qualquer ser-humano normal.
 
Ora a minha pergunta é: são estes os jovens de amanhã? São estes os jovens que saem das nossas universidades e que se preparam para liderar as nossas empresas? É a esta geração a que está entregue o futuro do nosso país…?
 
Onde é que estão os pais destes miúdos? A minha mãe saberia se eu andasse neste tipo de vida. Porque estaria atenta.
 
No meio disto tudo, dois miúdos, apenas com um copo a mais, divertidos mas contidos, dirigem-se a mim e desejam-me bom ano. Dou-lhes as minhas mãos, faço o mesmo, olhando-os nos olhos. Peço para não beberem mais. Para se divertirem, mas para não beberem mais. Respondem em uníssono “nãããã…! Vamos parar por aqui”. Pisquei-lhes o olho. Espetaram-me dois beijos e um deles, antes de me deixar entrar para o táxi, disse-me “Epá, és linda comó c”#$%&/”. Sem resistir, soltei uma gargalhada e disse-lhe “vá, sem o palavrão ficava mais bonito…!” Recebi um “ya!” como resposta. Enfim.
 
Nisto chegou o Miguel e tirou-nos dali. A Carlota sentou-se e adormeceu de imediato. E nós respirámos fundo por deixarmos, finalmente, aquele cenário para trás.
 
Acredito que tudo vale pela experiência mas, no meu caso, prefiro ambientes mais controlados. Vá, e jovens mais inteligentes. Porque a estes, dois galhetões era pouco.
 

8 comentários:

  1. Assustador, o cenário que descreves... Temo também por esta juventude sem regras, limites ou balizas, sem respeito pelo outro, sem respeito por si... Será cada vez mais difícil educar com base naquilo que defendo, com tantos maus exemplos, mas irei lutar sempre para que a minha filha seja responsável, atenta, educada e crítica em relação ao que vê...
    Bom ano, Marta, para ti e para os teus, sobretudo para essa miúda que te enche de orgulho! Que 2014 traga novas alegrias e desafios!
    Um beijinho!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada Maraffada!
      Educar hoje em dia não é fácil, mas é possível. Dá é mais trabalho que antigamente. Mas é possível!
      Tem tud tb um ano cheio de coisas boas!
      Bj,
      marta

      Eliminar
  2. Também estive no Terreiro do Paço. Diverti-me, sem bebidas na mão (sim, é possível!) Não assisti a esse cenário tão negro, mas vim-me embora a tropeçar em garrafas vazias e copos de plástico. Não, nao era necessário comportarem-se assim. Mas é que ainda estranha, depois dos espectáculos degradantes das queimas das fitas?
    Bom Ano, apesar das "fitas"! :)

    ResponderEliminar
  3. Infelizmente é verdade isso tudo... eu estive no Cais do Sodré e o cenário era idêntico. Muitos miudos completamente bêbedos, deitados pelos chão, aos encontrões, meios caídos... pensei o mesmo que tu: são eles o futuro? É uma noite diferente, mas porquê beber 20 copos, se 5 bastavam...e a festa já seria gira. Para quê ficar a cair de bêbedo... eu também não sou careta, as pessoas devem divertir-se como entendem, desde que não incomodem os outros. E as figuras??? Surreais. Eu nunca tive paciência para bebedeiras, e já bebi não a este ponto, nem nunca tive paciência para bêbedos... mesmo os meus amigos. Estes já sabiam...beberam acarretam com as responsabilidades. Não gosto nada destes cenários...

    ResponderEliminar
  4. Feliz ano novo para ti :) com tudo de bom!

    ResponderEliminar
  5. Olá Marta, antes de mais Bom ano!
    Há uns posts atras eu comentei que a verdadeira crise da nossa sociedade (não a nacional, não a europeia, a sociedade num todo ou a humanidade como lhe queiram chamar) não é uma crise económica é de facto uma crise de valores.
    Ao perdermos os valores que nos balizam, extravazamos facilmente e deixamos com que tudo descambe sem desgoverno.
    Podemos ser "balizados" sem ser caretas (ou quadrados) e a isso se chama inteligência deveria ser isso a definir a humanidade como um todo, mas enfim os factos parecem ser outros.
    Seguiremos trabalhando...
    Beijinhos,
    Bruno

    ResponderEliminar
  6. Bruno, perfeito! É mesmo isso... estamos numa crise de valores profundos. Não é apenas pela economia, que também está a destruir as pessoas, é a perda de referências que nos orientam - família, amizade, educação etc...

    ResponderEliminar
  7. Sem dúvida. E todos nós temos um papel importante. Por isso devemos estar atentos e ajudar a mudar as coisas. Um enorme beijinho para todos os que aqui deixaram comentários!

    ResponderEliminar