23 de maio de 2017

Urgente: respeito procura-se

Estava um dia de calor intenso. Uma mosca insistia em rasar as nossas cabeças e colar-se às nossas peles. Não nos largava. Estávamos as duas sentadas num dos bancos de cimento que havia no pátio lá do liceu.

Em jeito de brincadeira, saiu-me “a mosca não nos larga porque tu és da cor do cocó”, e desatei-me a rir, achando que tinha dito a melhor piada do mundo, sem pensar que ela poderia ficar magoada com aquilo.

A Raquel olhou para mim e, sem sequer mudar de expressão, levantou a mão e espetou-me uma bofetada digna do nome. Nunca tinha levado uma bofetada. No segundo seguinte estava a pedir-lhe desculpa. Não por medo de levar mais, mas por vergonha daquilo que tinha acabado de dizer.

A Raquel tinha chegado de Angola há alguns anos e vivia num prédio em ruínas, ali para os lados do Campo Grande. Eramos colegas de turma. Não tínhamos mais do que 10 ou 11 anos.

Ainda hoje sinto o coração a ficar mais pequeno, quando penso nisto.


Esta história marcou-me profundamente. Como me marca cada notícia que leio nos jornais ou vejo na televisão sobre este assunto que, quase de um momento para o outro, passou a fazer parte do alinhamento de todos os noticiários.

Naquele tempo, não havia nome para isto. Era apenas a profunda estupidez e maldade de uma pré adolescente parva a funcionar, neste caso, minha. Hoje poderia ser considerado uma espécie de bullying, e muito bem.

Li recentemente que, segundo alguns investigadores, uma em cada cinco crianças em idade escolar está ou esteve envolvida em algum caso de bullying. Uma em cada cinco crianças agride ou é agredida direta ou indiretamente. Contas feitas pelos mesmos investigadores, estamos a falar de quase 250 mil miúdos que maltratam ou são maltratados. 250 mil futuros adultos, entre médicos, engenheiros, eletricistas, mecânicos, veterinários, jornalistas, ou profissionais de quaisquer outras áreas, com potenciais problemas de segurança e autoestima. 250 mil seres humanos com menos capacidade para lutarem por aquilo em que acreditam. Mais grave ainda, por aquilo que os faz felizes. E, se assim for, o que é que lhes restará?

É preciso olhar para o problema do bullying como um dos maiores flagelos da idade jovem. Se olharmos à nossa volta, não há quem não sofra, quem não abuse, ou quem não conheça quem veja e cale. É urgente explicar a estes jovens que o respeito pelo outro é a base de uma sociedade saudável. E que sem esse respeito pelo outro, nunca conseguirão ser, também eles, respeitados. 

Quanto à Raquel, apesar daquele espisódio infeliz, mantivemos a nossa amizade. Mais tarde, com o passar do tempo, perdemo-nos uma da outra. Se um dia a reencontrar volto a pedir-lhe desculpa. 

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