5 de fevereiro de 2013

"Tira-me o pão, se quiseres, tira-me o ar, mas não me tires o teu riso."

Devo confessar que ser mãe nunca teve nos meus planos. Nem casar. Sempre me achei uma pessoa demasiado independente para o fazer. Queria ter um emprego sólido, ganhar dinheiro para dar uma boa vida a quem me rodeava, viajar. Não ter satisfações a dar a ninguém. E esta opinião não mudou depois de ter ficado paraplégica.

Note-se que estar paraplégica em nada interfere com o facto de ser mãe. Em situações normais, ou seja, se não houver outra causa, não é a paraplegia que impede uma mulher de ser mãe. Aliás, vendo a coisa pela positiva, até temos uma epidural natural!
Não faço, portanto, parte daquele grupo de mulheres cujo grande sonho é casar e ter filhos, e blá, blá, blá.
Achava graça a crianças…mas no colinho das mães delas. O que era curioso porque sempre que havia dessas pequenas criaturas por perto, era comigo que elas vinham ter. E, confesso, até tinha jeito para as ditas.
No entanto, fascinava-me quando via uma mãe com o mesmo problema que eu a cuidar de um filho sozinha. Tal como me emocionava quando via um casal apaixonado de verdade. Ainda hoje.
Mas a vida havia de me ensinar mais uma lição.
Em 2003 a minha irmã diz-me feliz: “estou grávida”. E eu pensei: “bolas, vou ser tia! Pela primeira vez, tia”. Sabia lá eu o que era isso e, acima de tudo, como a minha vida iria mudar.
Lembro-me de ter chegado à empresa no dia seguinte e ter contado a novidade às minhas colegas. Uma delas disse: “ui, coitadinha da miúda! Vai levar cada berlaita quando se portar mal!” E eu, claro, com a mania que era dura, acenei com a cabeça como quem dizia: “sim, é bom que se porte bem, caso contrário, palmadinha.” Nunca lhe toquei com um dedo.
Um dia vi uma das ecografias e, chamem-me maluquinha, mas eu vi a minha irmã de perfil. Vi mesmo.
9 meses depois nasce uma bebé com pouco mais de 3 quilos e uns 50 cm. Um pedacinho da minha irmã. Perfeita. E com cara de Carlota. Abanei por dentro.
Quis o destino que aos 9 meses a Carlota e a mana viessem viver para a minha casa e da minha mãe, onde viveram sensivelmente durante um ano e meio.
Foi durante esse período que me deixei conquistar por aquele bocadinho de gente. Foi durante esse período que me tornei numa tia-mãe, como gosto de chamar.
Nada me dava mais prazer que ajudar no banho, dar a papa, a sopa. Mais tarde, quando começou a comer “comida de crescidos”, cozinhar para a Carlota era um bálsamo. Não, estar com a Carlota era um bálsamo. Mesmo quando tinha que cantar e fazer as macacadas mais impensáveis para a distrair. Sim, também eu fingi que as colheres eram aviões e a boca dela a pista de aterragem. 
Sentava-a no carrinho da papa, que tinha rodinhas, e levava-a para onde eu ia. Lembro-me de precisar de secar o cabelo e de a levar até à minha casa de banho, onde ela se divertia com tudo o que apanhava: escovas, tampas, toalhas. O que estava à mão. Depois eu deitava o banco para trás e ela adormecia como um anjo até a mãe chegar do trabalho.

 
Outra coisa com que ela delirava era andar sentada ao meu colo, virada para a frente. Atava-a a mim com um cinto de roupão e corríamos a casa toda. O que ela se ria! E com apenas aqueles dois dentes de cima….E eu, a babar.
Quando começou a falar também foi uma fase inesquecível. Queria explicar-se mas ninguém percebia nada do que queria dizer.
Quando ela tinha um ano, fui hospitalizada. Quando voltei a casa e só podia estar na cama, a Carlota já estava a viver noutra casa com a mãe, no prédio em frente ao meu. Mas continuava a passar grande parte do seu tempo na minha e, em particular, à volta da minha cama. Nessa altura aprendi todas as músicas infantis do mercado. Ela pegava nos cds apontava para a aparelhagem que eu tinha na minha mesa-de-cabeceira e dizia: “muca, muca!” Tradução: queria ouvir música. Lá vinha a Bola do Manel, o Balão do João, a Rosa arredonda a saia e tooooodas as outras. Todas mesmo. E cantava. Mas à deliciosa maneira dela: “Oia a boia Maneli, oia a boia Maneli, foiximboia, fugiu!”…
Quando saía do banho e sentia frio dizia: tenho pio! E quando via a sopa cantava: “xopa, xopa, eu goto de xopa!” Eu, mais uma vez, a babar.
Entretanto a Carlota foi crescendo. E sempre comigo por perto. E por isso cresceu a perceber que a diferença existe mas que deve ser respeitada. Isso sempre lhe foi explicado de uma forma simples, clara. Um dia um colega do infantário que estava numa cadeirinha de rodas recusava-se a fazer algo que todos os outros meninos faziam. Achava que, pela sua condição, tinha o direito de não fazer. Conta-nos a educadora que a Carlota, do alto dos seus 3 anos, se levantou, pôs a mão na anca e disse: “oia, eu tenho uma tia de cadeira de rodas que faz tudo lá em casa. Até se pinta!” Meus Deus, no meio de tudo o que eu fazia por e com ela, do que a miúda se foi lembrar! Mas a mensagem estava lá. A tia era como as outras pessoas.
Hoje tem 9 anos e continua a viver do outro lado da rua. Todos os dias sai para a escola com a mãe às 7h30. E nós, eu e a minha mãe, vamos à varanda só para lhe dizer adeus. Isto desde que nasceu. Tornou-se num hábito que aqui ninguém abdica. E quando não nos vê na varanda assobia o nosso assobio. Só nosso.
É uma miúda equilibrada, feliz. Chanfrada, gozona, teimosa e respondona (hum, sairá a quem…?). Mas responsável, amiga, carinhosa. Adora dar-nos a mão. O que nos derrete. Esteja onde estiver. É das melhores alunas da aula, dança hip-hop e joga futebol como um rapaz. Mas também gosta de pet shops, barriguitas, legos e bonecas. De preferência as Monster High que, para quem não sabe, são umas personagens tipo Barbie mas filhas do Lobisomen, do Frankenstein, do Conde Drácula, entre outros monstros simpáticos. Enfim.
Com esta miúda descobri como é bom ser tia. Muito mais do que isso. Descobri que o amor pode mesmo ser incondicional, não ter limite. E que não há certezas absolutas. Quem sabe se um dia também decido ser mãe. Se tivesse a certeza que me saía uma cópia destas, era 
hoje!
 
Mas uma coisa é certa, se isso nunca acontecer, serei para sempre a tia-mãe mais orgulhosa do mundo.

4 comentários:

  1. As crianças são o melhor do mundo. Tenho a sorte de ter uma filha fantástica que me orgulha e me derrete. Sem ela não sei o que é viver.

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  2. A história, por si só, já é uma delícia, mais quando são as nossas crianças. Gostei muito do blogue; irei voltar e trago um amigo também.

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