Bom, mas hoje, a
partir das 17h, mesmo que tenhamos estado juntas até há poucas horas, mana e
sobrinha batem à porta.
Entram. A Carlota,
assim que me sente sossegada, quase sempre com um objectivo: entrar no quarto
devagar e, pé ante pé, tentar pregar-me um susto. A mim, que a sinto a
quilómetros…Ainda vem de cabelo molhado do banho, com aquele cheiro que me enfeitiça há 9 anos. Deita-se em cima da cama, ao meu lado - quando tenho a sorte de não ser em cima de mim - e diz “Titi, não estava a dormir, pois não?”. Apetece responder-lhe “Claro que não , meu amor. Mas, se estivesse, isso não teria sido um problema para ti, certo?”. Mas não respondo e deixo-a estar por ali, na mimoca, mais uns minutos.
Depois lá a consigo convencer a distrair-se no computador "só um bocadinho, querida, vai lá". Apetece-me mesmo ficar mais um pouquinho colada à cama, com a televisão, ao fundo, com imagem, mas muda.
Na sala, o rebuliço.
Mãe e mana falam de tudo, como se não se vissem há semanas. E há sempre assunto. Comenta-se
de tudo e também o filme nojento que passa na televisão, em que extraterrestres
gordos e cheios de baba tentam roubar o país a humanos. Humanos que, com humor lá pelo meio, conseguem
salvar a terra.
No meu quarto, do
outro lado da casa, onde ainda não saí do “modo-ronha”, oiço as gargalhadas
da Carlota, que delira com tantas cenas estúpidas. Carlota que, de cinco em cinco minutos, me
vem contar, eufórica, a parte do “bicho que entra na pele no homem e que anda por
dentro dele, pá, que nojo!”. Sai do quarto a correr, para ir ver mais, para depois
vir contar-me nova cena arrepiante. Sempre se riu assim, à gargalhada. Lá
do fundo.
São sete da tarde
e o jantar já está pronto. Quando vemos o empadão, não resistimos e a máquina
liga-se. Mãe-tira-o-repasto-do-forno-mana-prepara-a-sangria-de-espumante-com-frutos-silvestres-a-sopa-e-a-fruta-da-miúda-eu-preparo-a-mesa-na-sala-os-tabuleiros.
São sete e cinco, está tudo pronto para jantarmos.
E assim se começa
a jantar bem cedo, com o tal filme a passar na tv e a continuar a captar a atenção,
agora de todas. Filme que continua nojento, por sinal. E com cenas para rir.
Que continuam a provocar as gargalhadas pouco discretas da Carlota. Nesta altura, já de todas.Chegou a Primavera e já não se acende a lareira. Mas a sangria de espumante cumpre praticamente a mesma função. Aquecer-nos. Para além de nos alegrar…!
Aqui come-se rápido. É terrível, mas é verdade. São oito horas e estamos despachadas. Máquina liga de novo. Levar-tabuleiros-para-a-cozinha-arrumar-tudo. Oito e quinze e está a casa organizada. Como se nada tivesse saído do sítio.
É Domingo. Dia de jantarmos as quatro com a calma que a semana não nos permite. E ao mesmo tempo. Juntas. Só as quatro.
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Ilustração por Rita Salgueiro |
Por ser Domingo, é também dia da Carlota se deitar cedo porque amanhã tem escola. E queremos que mantenha os “5-a-tudo”, como ela diz.
Durante a semana foi dia de reunião de pais e professores. Foi lá a avó, que a mãe estava a trabalhar. “Tem uma neta fantástica. No recreio, uma louca a brincar. E sempre a liderar as brincadeiras. Mas quando entra na sala respira fundo, faz um rabo-de-cavalo, concentra-se e acaba-se a loucura. Tem é um feitio…ui…mas é uma maravilha de miúda. Se continuar assim, nunca vão ter problemas.” E não vamos. Acredito profundamente que não vamos.
Também tem um lado de complicómetro. Quando se explica, não vai a direito. "É a tua fotocópia, Marta. Quando a oiço, estou a ouvir-te a ti com a idade dela. É uma segunda edição", diz-me a minha mãe. A-d-o-r-o.
Quando elas se vão embora, entramos noutra fase da noite. Igualmente boa. A fase do charuto, da novela, do serão.
Foi assim desde sempre. Ou, pelo menos, é assim há muito tempo. É a nossa forma de nos preparamos para mais uma semana. Ganharmos energia. Semana que passa, e que no Domingo queremos que volte ao mesmo.
São serões simples, é certo. Muitas vezes - tantas vezes - parecidos uns com os outros. Sem luxos.
É o NOSSO serão. Que todos deviam fazer por ter. São as NOSSAS rotinas. Precisamos delas. Se as quebramos, estranhamos. Por isso, tentamos não o fazer.
Mantemo-las. Preservamo-las. Porque é bom. Porque nos sabem sempre bem e porque, enquanto assim for, é sinal que a coisa está no caminho certo. Que estamos juntas. Sempre.
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