15 de abril de 2013

É tão simples como isto. E, por isso mesmo, bom.

Costumo dormir uma sesta aos fins-de-semana. Sempre gostei. Desde miúda. Tal como gosto de me levantar cedo, mesmo que a noite tenha sido longa. Acho que me habituei a isto na altura em que as noites eram até às tantas, mas a ordem da mãe sempre a mesma: "deitem-se tarde à vontade mas, nesta casa, acorda-se cedo para tomar o pequeno-almoço. Querem dormir, dormem de tarde.”

Bom, mas hoje, a partir das 17h, mesmo que tenhamos estado juntas até há poucas horas, mana e sobrinha batem à porta.
Entram. A Carlota, assim que me sente sossegada, quase sempre com um objectivo: entrar no quarto devagar e, pé ante pé, tentar pregar-me um susto. A mim, que a sinto a quilómetros…

Ainda vem de cabelo molhado do banho, com aquele cheiro que me enfeitiça há 9 anos. Deita-se em cima da cama, ao meu lado - quando tenho a sorte de não ser em cima de mim - e diz “Titi,  não estava a dormir, pois não?”. Apetece responder-lhe “Claro que não , meu amor. Mas, se estivesse, isso não teria sido um problema para ti, certo?”. Mas não respondo e deixo-a estar por ali, na mimoca, mais uns minutos.

Depois lá a consigo convencer a distrair-se no computador "só um bocadinho, querida, vai lá". Apetece-me mesmo ficar mais um pouquinho colada à cama, com a televisão, ao fundo, com imagem, mas muda.

Na sala, o rebuliço. Mãe e mana falam de tudo, como se não se vissem há semanas. E há sempre assunto. Comenta-se de tudo e também o filme nojento que passa na televisão, em que extraterrestres gordos e cheios de baba tentam roubar o país a humanos. Humanos que, com humor lá pelo meio, conseguem salvar a terra.
No meu quarto, do outro lado da casa, onde ainda não saí do “modo-ronha”, oiço as gargalhadas da Carlota, que delira com tantas cenas estúpidas. Carlota que, de cinco em cinco minutos, me vem contar, eufórica, a parte do “bicho que entra na pele no homem e que anda por dentro dele, pá, que nojo!”. Sai do quarto a correr, para ir ver mais, para depois vir contar-me nova cena arrepiante. Sempre se riu assim, à gargalhada. Lá do fundo.

São sete da tarde e o jantar já está pronto. Quando vemos o empadão, não resistimos e a máquina liga-se. Mãe-tira-o-repasto-do-forno-mana-prepara-a-sangria-de-espumante-com-frutos-silvestres-a-sopa-e-a-fruta-da-miúda-eu-preparo-a-mesa-na-sala-os-tabuleiros. São sete e cinco, está tudo pronto para jantarmos.
E assim se começa a jantar bem cedo, com o tal filme a passar na tv e a continuar a captar a atenção, agora de todas. Filme que continua nojento, por sinal. E com cenas para rir. Que continuam a provocar as gargalhadas pouco discretas da Carlota. Nesta altura, já de todas.

Chegou a Primavera e já não se acende a lareira. Mas a sangria de espumante cumpre praticamente a mesma função. Aquecer-nos. Para além de nos alegrar…!

Aqui come-se rápido. É terrível, mas é verdade. São oito horas e estamos despachadas. Máquina liga de novo. Levar-tabuleiros-para-a-cozinha-arrumar-tudo. Oito e quinze e está a casa organizada. Como se nada tivesse saído do sítio.

É Domingo. Dia de jantarmos as quatro com a calma que a semana não nos permite. E ao mesmo tempo. Juntas. Só as quatro.

Ilustração por Rita Salgueiro

Por ser Domingo, é também dia da Carlota se deitar cedo porque amanhã tem escola. E queremos que mantenha os “5-a-tudo”, como ela diz.

Durante a semana foi dia de reunião de pais e professores. Foi lá a avó, que a mãe estava a trabalhar. “Tem uma neta fantástica. No recreio, uma louca a brincar. E sempre a liderar as brincadeiras. Mas quando entra na sala respira fundo, faz um rabo-de-cavalo, concentra-se e acaba-se a loucura. Tem é um feitio…ui…mas é uma maravilha de miúda. Se continuar assim, nunca vão ter problemas.” E não vamos. Acredito profundamente que não vamos.

Também tem um lado de complicómetro. Quando se explica, não vai a direito. "É a tua fotocópia, Marta. Quando a oiço, estou a ouvir-te a ti com a idade dela. É uma segunda edição", diz-me a minha mãe. A-d-o-r-o.

Quando elas se vão embora, entramos noutra fase da noite. Igualmente boa. A fase do charuto, da novela, do serão.

Foi assim desde sempre. Ou, pelo menos, é assim há muito tempo. É a nossa forma de nos preparamos para mais uma semana. Ganharmos energia. Semana que passa, e que no Domingo queremos que volte ao mesmo.

São serões simples, é certo. Muitas vezes - tantas vezes - parecidos uns com os outros. Sem luxos.

É o NOSSO serão. Que todos deviam fazer por ter. São as NOSSAS rotinas. Precisamos delas. Se as quebramos, estranhamos. Por isso, tentamos não o fazer.

Mantemo-las. Preservamo-las. Porque é bom. Porque nos sabem sempre bem e porque, enquanto assim for, é sinal que a coisa está no caminho certo. Que estamos juntas. Sempre.


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