Enrolei-me numa manta quente e fui à varanda.
No meio de gente a entrar e a sair de casa, de crianças a
andarem de bicicleta, e de velhotas a fazerem caminhadas enquanto cascam naquela
que falhou a caminhada, vi um miúdo a passear um cachorro. O bicho não tinha
mais de 2, 3 meses. Não corria, saltava. Porque correr, para ele, ainda é
pouco. Quer ir mais rápido e mais alto, por isso vai aos saltos. Afinal, a vida começou-lhe agora. Se
calhar, a vida começou-lhes agora. Um com o outro. Um para o outro, espero.
É por isso que hoje quero navegar pelas águas da palavra
“falta”. Águas que, por muito que eu lute contra, às vezes se agitam no meu
coração. Porque a falta que me fazes é grande. Porque não me esqueço.
Quando acordo e não sinto o teu cheiro. Quando ando pela
casa e não te vejo. Quando o dia foi mau, preciso do teu carinho, e não o
encontro.
Lembro-me de quando te fomos buscar como se fosse hoje.
Uma casa senhorial, numa vila de fadas. Um dia de sol.
Desceste a rampa do jardim aos trambolhões. Eras uma bola
de algodão branco a rebolar. Trapalhão. Tu e os teus irmãos e irmãs. Trazias a mãe e a
tia atrás, imponentes. O teu pai estava a brilhar em mais um qualquer concurso
internacional.
Escolhemos-te a ti. Baptizámos-te Gaspar. E
a uma das tuas irmãs, Matilde. Mais branca, olhos negros, e nariz escuro, que
foi ficando claro com o passar dos anos. Dona do mundo. E do teu em particular...
Perdemo-la cedo. Fez-te falta, bem sentimos que te fez. Fez a
todos.
Durante tanto tempo procuraste por ela. Durante tanto
tempo tivemos que te ensinar a viver sem ela. Mas aprendeste. Tu e nós.
O que aconteceu ligou-nos. Ainda mais. E eu a ti, que passava
tanto tempo contigo. E eu a ti…
Aos teus olhos. De chinês. Meigos, carinhosos, cheios de
amor para dar. E gratos. Pela forma como sempre te tratámos.
Perder-te foi das provas mais duras que a vida já me fez
passar. Morreres-me foi das realidades mais tristes que a vida me obrigou a
encarar.
Eras parte da família, sempre serás. Sabes disso, não sabes?
Passaram-se 2 anos. Pessoalmente, nunca mais me recompus.
Segui com a vida em frente, mas nunca mais preenchi o vazio que deixaste.
Perco-me no trabalho, nos compromissos, estou bem. Claro
que estou, porque não sou apanhadinha.
Os dias passam, já não penso em ti todos os dias. Mas,
quando páro – e, Deus, se páro com frequência! -, fazes-me falta. A falta que me
fazes.
Ainda não me reconciliei com a ideia de abrir a porta a
um amigo novo. Nem sei se isso alguma vez acontecerá.
Tenho dias em que acredito que é o caminho, mas
outros em que só pôr a hipótese, me deita por terra.
Quando penso em ti, esforço-me profundamente por me concentrar apenas nos
melhores momentos. Porque foste muito feliz. E nós muito felizes contigo. No
fim, é isso que conta.
As saudades ficam. É certo vão doendo
cada vez menos fundo. Mas eternizam-se porque,
como dizem os poetas – e quem melhor que os poetas para transmitir o que nos
vai naquele cantinho da alma -, as saudades são a memória do coração.
Fazes-me lembrar a história daquelas duas pulguinhas
que passaram a vida inteira a juntar dinheiro para conseguirem comprar um cão
só pra elas...Pois é, tenho a certeza de que esse cão eras tu.
Enfim…fazes-me falta. Não quero que te esqueças.
Era isto.
Esta história tocou-me mais que todas as que aqui já li...
ResponderEliminarPor vezes - dizem - arranjar outro animal não constitui uma substituição e sim dar lugar a um outro animal que necessite de carinho, casa e etc...e há tantos...por vezes ajuda a colmatar as saudades...pense no assunto e adopte um.
bj e força
não é fácil...ainda não consegui dar esse passo. Mas o tempo vai ajudar.
EliminarObrigada!
marta
Não é um passo fácil mas pode fazer sentido admitir a hipótese. Será um outro a ser feliz... contigo.
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