23 de maio de 2014

Não desistas de ninguém

A história que vos conto hoje é simples mas, por isso mesmo, de contar.

Deram-nos aquela orquídea há uns meses. Largos meses.

Esteve linda durante muito tempo, mas foi perdendo o brilho, transformando-se lentamente num pau seco, sem cor. Encarquilhado.

E assim ficou. E ficou. E ficou. Murcha. Morta. Morta? Veremos.

Todos os dias passava por ela e pensava “minha amiga…está na altura de ires para o lixo”.

Mas todos os dias via a minha mãe a pegar no vaso, a pôr-lhe água, a trata-la. Todos os dias via a minha mãe a escolher paciente e cirurgicamente o melhor local da casa para colocar aquele pau que um dia já tinha sido uma flor. Locais estratégicos. Onde houvesse mais luz, lá estava a orquídea. Durante muito tempo num dos quartos, ultimamente no chão da cozinha, perto da varanda.

Habituei-me a vê-la aqui e ali. Confesso que não lhe liguei muito. De vez em quando olhava para ela e pensava “já foste, coitadita”.

Nunca tivemos muita sorte com plantas ou flores aqui em casa. Aquela era só mais uma.

Lembro-me de ter comprado 10 vasos e sementes de todas as espécies, idealizando uma varanda cheia de vida e cor natural…e de ter acabado numa loja de chineses a comprar flores de plástico. A verdade é que ainda hoje estão na varanda da frente. E lindas. Trabalho? Nenhum.

Até que, nas últimas semanas, a natureza me surpreendeu, mais uma vez.

“Olha, já viste? Está a rebentar por todos os lados!” disse-me, entusiasmada, a minha mãe.

Arrastada, fui ver. E estava. Lá estava. Cheia de “altinhos” ao longo do tronco, que já não era seco, era verde, vivo. Alguma coisa estava a querer nascer dali.


Durante as semanas seguintes fiquei mais atenta. Mas não lhe mexi, porque as minhas mãos não são as da minha mãe. Tive medo que as estranhasse e se deixasse morrer de novo. Limitei-me a ficar mais atenta.

Mas passava por ela e já não a adivinhava no lixo. Passei a acreditar. “Já te safaste”.

E safou. Hoje a valente orquídea está linda. Viva da Silva. Cheia de luz. Resultado apenas do carinho e da persistência de alguém que não desistiu dela. Resultado da dedicação, do tempo e do carinho que a minha mãe lhe dedicou.

Ver esta transformação fez-me pensar no ser humano.

Quantas vezes desistimos das pessoas antes de apostarmos tudo o que podemos e temos nelas?

Quantas vezes deixamos ficar para trás alguém que, pode até ter metido os pés pelas mãos mas que, com um bocadinho da nossa atenção, pode voltar a entrar nos carris e a seguir no sentido certo?

Quantas vezes seguimos o nosso caminho sem sequer olhar para quem não consegue seguir o seu?

A resposta é: vezes demais.

Ver aquela transformação e pensar no ser humano, fez-me ter a certeza que temos muito a aprender com a natureza. 

E, vendo bem, começando por mim.


Se às vezes digo que as flores sorriem – Alberto Caeiro

Se às vezes digo que as flores sorriem
E se eu disser que os rios cantam,
Não é porque eu julgue que há sorrisos nas flores
E cantos no correr dos rios...
É porque assim faço mais sentir aos homens falsos
A existência verdadeiramente real das flores e dos rios.

Porque escrevo para eles me lerem sacrifico-me às vezes
À sua estupidez de sentidos...
Não concordo comigo mas absolvo-me,
Porque só sou essa cousa séria, um intérprete da Natureza,
Porque há homens que não percebem a sua linguagem,
Por ela não ser linguagem nenhuma.

3 comentários:

  1. Olá Marta,
    História magnífica. Na natureza vemos destas coisas que sentimos como singulares.

    E é como dizes temos muito que aprender, e falo por mim tb...

    Beijo,
    Bruno

    ResponderEliminar
  2. Olá Marta,
    Adorei o post! A Vida é, sem dúvida, uma grande lição!
    beijinho,
    Mariana Sampaio de Freitas

    ResponderEliminar
  3. Ler-te faz-me um bem danado à alma!

    Beijinho, Marta!

    ResponderEliminar