3 de outubro de 2017

O Rei dos Bolos

Passou por mim de manhã, mais uma vez com o já habitual “há bola, há pão com chouriço, há merenda”. Sempre demasiado carregado, sempre demasiado vestido, sempre vestido de preto.

Disse-me adeus de perto do mar, que a areia ali está mais dura e custa menos andar em cima dela.

Conhece-me desde miúda. E sempre daquela praia.

Depois seguiu o seu caminho, porque tinha que conseguir despachar tudo o que levava. “O negócio anda mal, sabe?”.

O dia avançou, ainda o vi passar para cima e para baixo mais algumas vezes.

Quando me preparava para sair da praia oiço um “menina Martaaaaa?” perto de mim. Reconheci-lhe a voz, olhei para trás e vi-o a aproximar-se. Ri-me e pensei “pronto, lá vem o Sr. Zé dar-me bolas de Berlim e chupa-chupas para os miúdos”. E deu. Mas depois levou a mão à mala e tirou de lá o meu livro.


Sem esperar, respondi com um sorriso envergonhado. “Oh Sr. Zé, que querido…! Dê cá para eu lhe escrever uma dedicatória”.

“Pedi a uma cliente ali da praia ao lado que a conhece para me comprar…”, respondeu-me feliz.

Passou-mo para a mão e, quando me preparava para escrever, disse em voz alta, “Ora bem, Caro Sr. Zé…”. Nesta altura ele interrompeu-me com um “Não, ponha Caro Rei dos Bolos…”.

Soltei uma gargalhada e escrevi. Quando terminei li-lhe a dedicatória: “Caro Rei dos Bolos, espero que encontre sempre o caminho para Ser Feliz e que nunca se esqueça que essa é sempre uma escolha sua. Com beijinho da Marta.”

Olhei para cima, para ele, que lá estava. Como sempre demasiado carregado, como sempre demasiado vestido, como sempre de preto, mas desta vez, a chorar. Tentou disfarçar, agradeceu, guardou o livro, e seguiu caminho.

Não foram raras as vezes que, debaixo de um sol que torra, pensei na vida difícil daquele homem. Enquanto uns aproveitam o dia de praia e se divertem, o Sr. Zé, o Rei dos Bolos, faz quilómetros para lá e para cá, sempre com a mesma cantilena na boca “há bola, há pão com chouriço, há merenda”. E agora também há um livro naquela sacola, que ele mostra a quem, pelo meio de um troco de um bolo, lhe dá 2 dedos de conversa.

Aconteceu hoje. Só que, sem ele saber, desta vez quem o ouvia também me conhecia desde pequena. Pediu-lhe para lhe tirar uma fotografia e enviou-ma. Fez-me o dia. Que, antes disto, tinha sido focado apenas em trabalho e sem tempo para me lembrar que há mais do que contactos, textos para rever e estratégias para definir. Muito mais.

Ser Feliz é, Mesmo, uma Escolha.


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