Daqui de cima, da minha
varanda, sem pressa, vejo de tudo.
Vejo quem chega. Vejo
quem parte.
Vejo quem chega mas quer
partir. Vejo quem parte mas quer ficar.
Vejo quem não parte mas
que devia partir.
Vejo a vizinha vaidosa
que acha que deslumbra com o olhar. Mas não percebe que já ninguém sequer lhe olha
para o resto, quanto mais para os olhos.
Vejo gente que nunca via,
mas que passei a ver porque perdeu o emprego.
Vejo a avó que fica com
os netos e que todos os dias lhes ralha porque eles não fazem os que ela lhes
manda.
Vejo o vizinho enfermeiro
que, por ser enfermeiro, anda sempre desencontrado nas horas.
Vejo o casal de velhotes
que todos os dias, à mesma hora, apanha o autocarro para algures.
Vejo os pais a saírem cedo
demais, com os filhos encasacados, para mais um dia de escola e trabalho.
Vejo os senhores das
obras do prédio ao lado a saírem juntos para almoçar na tasca do fundo da rua
porque “é barata e come-se bem”.
Vejo o casal engraçado -
ele muito magrinho, ela muito gordinha - que entra no carro a discutir, mas que
quando regressa já vem de mão dada. E ela com uma flor numa das mãos.
Vejo o motorista do
autocarro cuja pausa na paragem é sagrada para fazer um chichi num desgraçado
de um pinheiro escondido num canto do parque de estacionamento.
Vejo o grupo de senhoras
mais velhas que fazem as suas caminhadas, de manhã bem cedo e ao fim do dia.
Todas com uns ténis calçados e de coletes reflectores vestidos. Falam das
noras, dos genros, dos maridos. Da vida. Sim, na maioria das vezes, da vida dos
outros.
Vejo os sofás, as cadeiras,
os armários - ou outras tralhas velhas que alguém deixou de querer e que, por
isso, encostou ao caixote do lixo -, a desaparecer em menos de minutos. Uns levam
por gozo, é certo, mas outros por necessidade.
Vejo um bando de pardais
barulhentos que lutam por uma migalha deixada no meio da estrada.
Vejo o gato gordo e coxo
a fazer o que mais gosta (depois de fugir aos cães): a vadiar entre carros e a
dormir de barriga para o ar, ao sol.
Vejo o vizinho que todos
os dias sai de casa para deitar o lixo, mas antes pára num canteiro que fica no
cantinho da rua para deixar comida ao gato. Daí ele ser gordo.
Vejo o Mike, o cão do
rapaz de cabelo grisalho do prédio ao lado, que ladra e pula enquanto passeia.
De felicidade. Depois entra no carro do dono, e segue com ele para o trabalho.
Vejo o Mozart, o golden
retriever aqui da rua, a passear com a dona, e fico com saudades do
Gaspar. O coração sobe-me para a garganta.
Vejo o meu pinhal e,
nele, três coelhos destemidos que se arriscam a chegar perto da estrada, mas
que rapidamente voltam para trás, aos saltos. E se perdem por entre os
arbustos.
Vejo o mar, ao longe. Mas
vejo o mar. Tão azul, mas tão azul, que se entranha com o céu.
Na minha rua vive-se. Mais do que isso, vivem-se
vidas reais. Diferentes. Mas verdadeiras. Iguais a tantas outras.
E eu, vendo-as cá de cima,
da minha varanda, sem pressa, consigo imaginar a história que está por detrás de
cada uma.
Vejo... um texto muito interessante e vejo... a interessante foto que o ilustra!
ResponderEliminarBRILHANTE ..... TENS DE ESCREVER UM LIVRO.
ResponderEliminarBeijo grande Marta! LINDO!
ResponderEliminarGostei.
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