Foi a minha avó Olinda que me ensinou a rezar. O Pai-Nosso, a Avé-Maria. E outras orações que, para seu desespero, nunca decorei. Como a do “senhor morto, senhor vivo…” que desta só sei esta parte.
Lembro-me de ir para casa da dela depois da escola e de a
ver sempre de terço por perto. Que seguia religiosamente (e aqui o
religiosamente é literal) pela rádio Renascença. Ou apenas enquanto nos
arranjava o lanche ou dava ao pedal na Singer, onde fazia as suas próprias
roupas. Batas, ela adorava batas.
Quando dormia na nossa casa, e quando passava da reza ao
ressono, eu tentava acordá-la para ver se conseguia que se calasse. Respondia-me
sempre “estou agora a ressonar! Nem estou a dormir, estou a rezar!” Uma frase
que nunca mais me esqueci. E é claro que estava a dormir que nem uma pedra.
De vez em quando levava-nos à missa. À igreja São João de
Brito. Aquilo era estranho. E, por inerência à idade, uma seca. Hoje entro numa
igreja e sinto-me bem. Confortável. Protegida.
Mas fui crescendo com a história de que, lá longe, tinha existido
um homem que tinha sido enviado para salvar o mundo. Um homem que se tinha
sacrificado pelos outros. Que tinha morrido numa cruz, onde teria sido pregado
de mãos e pés, e com uma coroa de espinhos presa à cabeça. Que ali morre e que
ressuscita ao 3º dia. Uma história trágica, que me impressionava e que me suscitava alguma desconfiança.
Eu e mana sempre partilhámos o quarto. Dormíamos num
beliche. Ela em cima e eu em baixo. Antes de adormecermos, tínhamos um ritual.
Com alguma falta de sentido, é certo, mas um ritual. O nosso. Dizíamos sempre uma
à outra “bons sonhos e boa noite, fica com Deus, igualmente e dorme bem”. Nunca
falhávamos. E não, não fazemos ideia de como isto surgiu.
Com o passar dos anos fui aprendendo a acreditar. Não em
Deus como ele é descrito, escrito e ensinado. Mas em alguma coisa ou alguém, superior
a mim, que me ajudava a levar a vida. A ter fé que as coisas iam melhorar. O meu
Deus. Que me dava força para continuar.
E lá fui criando, devagarinho, a minha relação com Ele. Comecei,
como todos, por pedir ajuda, sempre que me via em apuros. Ah, e rezava antes me
deitar. Mas aquilo era um bocado “automático”. Soava-me a falso. Toma lá um Pai
Nosso, uma Avé-Maria, Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, vira-te para o outro lado e dorme.Actualmente, e depois de tudo o que de menos bom me foi acontecendo na vida, a coisa mudou. Continuei, sim, a pedir ajuda quando sentia necessidade mas, acima de tudo, a agradecer. Por ter passado mais um dia. Por não me ter fugido de novo a saúde. Por ver bem quem me rodeava.
Sinto que fui mudando a minha forma de encarar o “acreditar
em Deus”. E foi assim que tudo se foi descomplicando de explicar. De
sentir. E a soar melhor. Mais cá de dentro. Mais verdadeiro. Menos automático. Mais
à minha maneira. Sem obrigações, sem complicações, sem compromissos. No fundo,
acho que nos tornámos amigos. Porque com eles também costuma ser assim. Sem
obrigações, sem complicações, sem compromissos. Hoje é “alguém” a quem eu
recorro sempre que “ a coisa aquece”.
E não, não é uma relação interesseira, de momento. É, eu
diria, transparente. E ele sabe disso. Só o chateio quando preciso. De resto,
agradeço. Se a coisa se mantiver assim, dá-me ideia que não haverá divórcio.
Hoje o dia vai ficar na história. Foi eleito mais um
Papa. Um homem que subiu à varanda da Basílica de São
Pedro e que falou sem um discurso grandemente preparado. E, com sentido de
humor, dizendo que o no meio de tantos, “o foram buscar ao fim do mundo”.
Que gosta de futebol. Que andava de bicicleta e de transportes
públicos antes de ser cardeal. Que cozinhava as próprias refeições. Dizem que é um homem comum. Simples. Que escolheu o nome Francisco, que vem de Assis. Um Francisco que, depois de uma juventude inquieta, se torna sacerdote e se dedica a defender os pobres. Numa igreja que é podre de rica. E que só por isso me enerva. Não espero que este Francisco vá mudar isto. Mas espero que ajude a dar uma volta ao estado em que a igreja se encontra.
Nem tanto por mim, porque a forma como a igreja hoje se
apresenta, opulenta e cheia de desconfianças, nada me diz. Mas porque cada um acredita no
que quer. E porque temos que respeitar que aquilo é mesmo importante
para milhares de pessoas conseguirem levar a vida em frente. Para milhares de
pessoas acreditarem que vale a pena andar por cá e continuar a lutar para
melhorar. E sentir que lá em cima alguém ou alguma coisa vai estar a olhar por
nós.
Afinal, como alguém alguma vez disse, “"A razão de ser de qualquer
fé é trazer-nos uma certeza."
Bom, habemos papam. Vamos, pelo menos,
tentar acreditar.
A casa do Nosso Pai tem muitas moradas... uma delas deve ser para ti seguramente. Um grande beijinho.
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